Por: Sara Seda
Por vezes, me pergunto se o transporte público moçambicano é um meio de locomoção ou um teste de resistência física e emocional. Enlatados como sardinha às sete da manhã ou bem antes, nós, passageiros fiéis da “chapa”, vivemos uma aventura diária que só não é premiada porque ainda ninguém pensou em criar o “Chapa Awards”.
A saga começa antes mesmo da ignição do carro. Na paragem, a dança do empurra-empurra dá o tom da manhã. Mal o carro estaciona, ouve-se o hino nacional dos transportes:
“Quatro-quatro, três filas, vira para esse lado, tem espaço aí no meio!”
É o cântico do cobrador, maestro de um coro desafinado, mas obedecido com disciplina militar.
Passageiro que é passageiro sabe: questionar é inútil. Até o mais ousado que se atreve a dizer “não tem espaço aqui”, acaba, minutos depois, grudado na janela, com a bochecha colada no vidro e a alma, talvez, já fora do corpo. Afinal, sempre cabe mais um, dois, e, por que não, mais três?
E quando alguém pisa no outro? Lá vem o clássico embate: “Isso é chapa! Se não quer ser pisado, apanha táxi!”
Enquanto isso, o cobrador, estrategista incansável, continua a caça de mais passageiros, mesmo com o carro inclinado, afinal, a receita do dia precisa fechar. No meio do sufoco, há a eterna luta pelo assento, outros fingem dormir para não ceder lugar a grávidas, idosos ou deficientes. “Eles que lutem, também estou cansado!”, dizem com os olhos semicerrados de fingimento.
E se pensa que acaba por aí, espere o horário de pico. Congestionamento, calor, falta de ar. Um inferno móvel com trilha sonora de Afrobeat no volume máximo, cortesia do motorista. Perfumes intensos, cremes, suor e, sejamos honestos, gente que claramente ignorou o banho matinal. Uma fusão de cheiros que desafia até o mais forte dos narizes.
Quando finalmente chega a hora de descer, começa a outra batalha:
“Paragem!”
“Dá licença à esquerda, à direita!”
Tudo isso sob a pressão do cobrador:
“Coisas rápidas! Por que ficou atrás se sabia que descia já?”
A ironia? É o mesmo que minutos antes gritou: “Passa para trás! Paragem é obrigatória!”
E como esquecer da comédia do pagamento? Mais ousados ainda são os que pedem por 10mt e pagam com nota de 100mt. Um espectáculo!
No fim da viagem, desço do carro completamente desarrumada, mesmo tendo saído de casa aprumada. Meu chefe olha para mim e pergunta se fui engolida por um leão. Na verdade, fui mastigada por uma chapa. Talvez, da próxima vez, eu saia de casa desarrumada. Vai que, no passa-passa do cobrador, eu chegue ao destino aprumada.
E me pergunto: até quando? Até quando vamos continuar a viver assim, sem que o Governo assuma de vez a responsabilidade de oferecer transporte condigno à sua população? Não estou a falar dos tractores.