Por: Alda Almeida
Nos últimos anos, os cigarros electrónicos, vulgarmente conhecidos como vapes, ganharam terreno no mercado global como uma alternativa “moderna” e, alegadamente, “menos nociva” ao cigarro tradicional. Contudo, a realidade é bem mais complexa do que o marketing faz crer, e os seus impactos na saúde pública, especialmente entre os jovens, já se fazem sentir de forma preocupante.
Os cigarros electrónicos são dispositivos alimentados por bateria que aquecem um líquido, normalmente composto por propilenoglicol, glicerina vegetal, nicotina e aromatizantes, transformando-o em vapor inalável. Esta vaporização é promovida como uma alternativa ao fumo do cigarro convencional, por não envolver combustão. No entanto, o que se inala continua a conter substâncias químicas e, na maioria das vezes, nicotina, uma das drogas mais viciantes conhecidas.
O seu design apelativo, a variedade de sabores e a falsa sensação de segurança têm contribuído para a sua popularidade crescente, sobretudo entre adolescentes, jovens e adultos. Em muitos casos, são iniciantes no consumo de nicotina, o que levanta um sinal de alerta quanto à dependência precoce e aos impactos a longo prazo.
É verdade que os cigarros electrónicos eliminam algumas das substâncias cancerígenas associadas à combustão do tabaco. No entanto, não são inofensivos. Estudos apontam para possíveis danos no sistema respiratório, efeitos cardiovasculares e inflamações a nível pulmonar. Casos de lesões pulmonares graves associadas ao uso de vapes, como o surto de EVALI nos Estados Unidos, mostram que ainda há muito por descobrir sobre os efeitos reais desta nova forma de fumar.
Além disso, a elevada concentração de nicotina presente em muitos líquidos contribui para uma dependência rápida, silenciosa e cada vez mais comum entre jovens. Em Moçambique, essa realidade já é visível e inquietante, especialmente num contexto em que o consumo entre adolescentes tem crescido a olhos vistos.
E é precisamente neste ponto que surge uma questão fundamental: a comercialização de cigarros electrónicos não é legalmente permitida em Moçambique. A Inspecção Nacional das Actividades Económicas (INAE) tem procurado actuar, e no passado mês de Fevereiro apreendeu cerca de quase 2 milhões de meticais em tabaco e cigarros electrónicos ilegais, numa operação que visava travar este mercado paralelo.
Contudo, a realidade nas ruas e alguns centros comerciais da cidade capital do país parece contradizer esse esforço institucional. Hoje, é possível encontrar lojas especializadas na venda de cigarros electrónicos, com registo formal, publicidade e funcionamento aberto ao público, tudo isto à vista de todos. Perante este cenário, coloca-se a seguinte pergunta: afinal, já é permitido? E se não é, por que razão estas lojas continuam a operar livremente?
Esta contradição fragiliza não só a autoridade da fiscalização como também transmite à sociedade uma mensagem ambígua: se por um lado o Estado diz proibir, por outro tolera. E quem mais sofre com essa ambiguidade são os jovens, atraídos pela novidade, enganados pela ilusão da “inofensividade” e facilmente aliciados por uma droga legalizada na prática, mas não na lei.
Cada vez mais adolescentes moçambicanos são vistos a consumir cigarros electrónicos. A facilidade de acesso, aliada à curiosidade e à pressão social, está a gerar uma nova geração de dependentes de nicotina, muitos dos quais nunca haviam fumado um cigarro tradicional. É uma epidemia silenciosa, que cresce nas escolas, nos bairros e nas redes sociais, incentivada por falhas na fiscalização e por um vácuo legal que precisa urgentemente de ser resolvido.
Se até países onde os cigarros electrónicos foram desenvolvidos e popularizados começam a colocar restrições à sua comercialização e uso, como é o caso da Austrália, dos Estados Unidos e de várias nações europeias. Por que motivo Moçambique, ainda sem regulamentação clara, parece caminhar na direcção oposta? Não seria este o momento ideal para abrir um debate sério, multidisciplinar e baseado em evidências sobre a legalidade, os riscos e o enquadramento necessário para lidar com este fenómeno?
O avanço dos cigarros electrónicos em Moçambique, à margem da legalidade, é mais do que um problema de saúde pública, é um reflexo da fragilidade institucional e da falta de articulação entre legislação e prática. Não se trata de moralizar o consumo, mas sim de proteger a população, sobretudo os mais jovens, de um produto cujo impacto ainda está longe de ser totalmente compreendido.