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Cobalto e Poder Global: EUA e China Disputam a Nova Fronteira Geoeconómica no Congo

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O subsolo da República Democrática do Congo tornou-se epicentro de uma disputa silenciosa mas estratégica entre as duas maiores potências globais. Com 70% do cobalto mundial extraído do seu território, o país africano é hoje o palco de uma nova corrida por recursos que moldará o futuro energético e tecnológico do planeta. Entre investimentos chineses consolidados e uma ofensiva diplomática norte-americana, o Congo emerge como espaço de convergência entre geoeconomia, política externa e vulnerabilidade estrutural.

Desde o início do século XXI, a China tem expandido meticulosamente a sua influência sobre os recursos minerais africanos. No caso da RDC, esse processo foi intensificado com a entrada em cena da China Molybdenum Company (CMOC), que passou a controlar algumas das maiores minas de cobre e cobalto do mundo, como Tenke Fungurume e Kisanfu. Este domínio traduziu-se num controlo substancial da cadeia de abastecimento global, com implicações diretas sobre os preços internacionais destes metais.

Contudo, a relação sino-congolesa não tem sido isenta de tensões. Em Fevereiro de 2025, o Governo do Presidente Félix Tshisekedi suspendeu as exportações de cobalto durante quatro meses, numa tentativa de conter a queda dos preços e reequilibrar a relação com a CMOC. A medida representou também uma crítica velada ao poder desproporcional da China sobre a economia local.

É neste contexto que os Estados Unidos tentam ganhar terreno, propondo ao Congo um acordo estratégico que combina apoio militar e diplomático em troca de acesso a minas de cobalto. Segundo fontes diplomáticas, trata-se de uma proposta inspirada num modelo previamente negociado com a Ucrânia: acesso a recursos críticos em troca de apoio à estabilização de regiões em conflito.

Economia, segurança e transição energética

O cobalto é um mineral crítico para a transição energética global, essencial para baterias de veículos eléctricos, armazenamento de energia e sistemas aeroespaciais. O domínio sobre a sua produção e distribuição representa, hoje, uma vantagem geoestratégica comparável à do petróleo no século XX. A CMOC, com mais de 9 mil milhões de dólares investidos na RDC desde 2016, tem sido o principal actor estrangeiro nesse domínio.

Em contraste, o comércio entre os EUA e a RDC foi, em 2024, de apenas 820 milhões de dólares, comparado com quase 27 mil milhões entre RDC e China. Washington pretende agora reverter esse desequilíbrio através de instrumentos como a US International Development Finance Corporation (USIDFC), que poderá financiar empresas norte-americanas no sector mineiro congolês.

Mas a proposta dos EUA tem um componente adicional: a paz. A administração Trump comprometeu-se a intermediar uma resolução para o conflito no leste do país, onde grupos armados apoiados pelo Ruanda tomaram cidades e zonas mineiras de ouro, estanho e tântalo. O objectivo norte-americano é claro: usar a diplomacia de segurança como porta de entrada para assegurar concessões mineiras para empresas aliadas.

O dilema congolês: desenvolvimento ou nova dependência?

Para o Governo de Kinshasa, esta disputa apresenta-se como uma oportunidade e um risco. De um lado, a possibilidade de diversificar parceiros, atrair financiamento e reforçar o controlo estatal sobre os recursos. Do outro, o risco de replicar padrões históricos de extracção predatória, com benefícios externos e marginalização interna.

Como lembrou o activista comunitário Emmanuel Kazadi, da cidade de Kolwezi:

“Falam-nos de desenvolvimento, mas as comunidades próximas das minas continuam sem água potável nem escolas”.

De facto, as exportações de cobre e cobalto representam cerca de 40% do PIB da RDC, segundo o FMI, mas o impacto directo nas condições de vida permanece limitado. A ausência de transparência, regulação eficaz e partilha de benefícios aprofunda a desconfiança sobre os verdadeiros vencedores desta nova corrida aos minerais.

Conclusão: a geopolítica do ‘novo ouro azul’

A crescente rivalidade entre Estados Unidos e China pelo cobalto congolês insere-se num contexto mais amplo de reconfiguração das cadeias de valor globais. À medida que o mundo transita para energias limpas e mobilidade eléctrica, o controlo de minerais críticos como o lítio, níquel e, sobretudo, o cobalto, torna-se vital.

O que está em causa na RDC não é apenas o acesso a um recurso natural, mas sim a arquitectura futura da economia mundial — quem detém os insumos estratégicos, quem define os preços, e quem beneficia das cadeias de produção e consumo.

O Congo, no centro desta disputa, enfrenta a difícil tarefa de transformar riqueza subterrânea em prosperidade sustentável, sem cair novamente na armadilha da extracção sem desenvolvimento. O mundo observa — porque do barro vermelho de Kolwezi pode depender o curso do século XXI.

Fonte: O Económico

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