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O dólar norte-americano enfrenta crescentes pressões para desvalorizar, à medida que os investidores perdem confiança nos fundamentos económicos e políticos dos Estados Unidos. Uma sucessão de choques — desde tarifas comerciais a um corte na notação de crédito — está a empurrar o valor da moeda para níveis mínimos dos últimos anos.
Após anos de desempenho robusto nos mercados globais, a moeda norte-americana dá sinais de estar a perder o estatuto de activo de refúgio, com investidores a reequilibrar as suas carteiras para fora dos activos denominados em dólares. A agência Moody’s cortou recentemente a notação de crédito soberano dos EUA, intensificando o movimento de venda.
“A história da fraqueza do dólar ainda não terminou”, afirmou Steve Englander, responsável de pesquisa em câmbios G10 no Standard Chartered, referindo-se ao crescente desconforto com os fundamentos fiscais e políticos dos Estados Unidos.
O índice do dólar (DXY) caiu cerca de 10,6% desde o pico registado em Janeiro, marcando uma das maiores correcções trimestrais da última década. Segundo dados da CFTC, os especuladores mantêm agora posições líquidas vendidas no valor de 17,32 mil milhões de dólares, aproximando-se dos níveis mais pessimistas desde Julho de 2023.
A sobrevalorização estrutural do dólar — que chegou a estar 22% acima da média de 20 anos — começa a ser corrigida, mas analistas defendem que poderá haver espaço para novas quedas de até 10%, aproximando-se dos níveis do primeiro mandato de Donald Trump.
Para George Saravelos, estratega do Deutsche Bank, “a combinação entre o apetite reduzido por activos norte-americanos e o bloqueio orçamental que mantém défices elevados é o que está a deixar os mercados nervosos”.
O enfraquecimento do “Brand USA” também está a ser amplificado pelo aumento da procura de cobertura cambial por parte de investidores estrangeiros, que detêm milhares de milhões em activos norte-americanos. Ao aumentar as coberturas cambiais (hedge ratios), reduz-se a procura directa de dólares, adicionando pressão vendedora nos mercados futuros.
A Ásia, em particular, apresenta uma exposição massiva ao dólar, fruto de décadas de investimento de excedentes comerciais em activos norte-americanos. Uma valorização abrupta do dólar de Taiwan, em Maio, demonstrou a sensibilidade dos mercados a movimentos de desinvestimento.
Apesar dos sinais de enfraquecimento, alguns analistas alertam que a robustez relativa da economia dos EUA poderá travar, temporariamente, o movimento de desvalorização. Contudo, mesmo entre os gestores mais conservadores, a estratégia dominante é “vender o dólar nos picos de valorização”.
A administração Trump insiste numa política de dólar forte. “O Presidente Trump foi inequívoco quanto à manutenção da força e do papel do dólar como moeda de reserva global”, afirmou o porta-voz da Casa Branca, Kush Desai.
Ainda assim, o consenso nos mercados parece inclinar-se para um novo ciclo de fraqueza do dólar, alimentado não apenas por factores técnicos e macroeconómicos, mas também por uma mudança mais profunda na percepção global da resiliência económica dos Estados Unidos.
Fonte: O Económico