Por: Gelva Aníbal
Moçambique e a China reforçaram recentemente a cooperação no ensino técnico-profissional, com novos acordos que visam modernizar infraestruturas, formar docentes e apoiar jovens na aquisição de competências práticas. À primeira vista, a iniciativa soa promissora, num país onde o desemprego juvenil é um dos maiores desafios sociais, apostar na formação técnica parece uma resposta lógica e necessária. Porem, por trás do entusiasmo, levantam-se questões sobre a direcção, a autonomia e a sustentabilidade deste tipo de parceria.
O ensino técnico-profissional tem sido, há décadas, o elo mais fraco do sistema educativo moçambicano. Apesar de existir uma rede de institutos e escolas industriais, muitos enfrentam falta de equipamentos, docentes especializados e currículos actualizados. A entrada de parceiros estrangeiros, como a China, surge como uma oportunidade de formatar essas lacunas. Contudo, importa perceber que tipo de capacitação está realmente a ser promovida e a quem serve.
Os acordos recentes incluem a reabilitação de centros de formação e o envio de especialistas chineses para capacitar formadores moçambicanos. É um gesto de cooperação que, na teoria, fortalece as bases da economia. Mas, há um risco latente de transformar o país num simples receptor de modelos e tecnologias externas, sem a devida adaptação ao contexto local. O ensino técnico não deve ser apenas uma transferência de como saber, deve ser um processo de criação e apropriação de conhecimento.
Muitos programas de cooperação concentram-se em sectores específicos, construção civil, energia, tecnologias e agricultura, justamente áreas de interesse directo para as empresas chinesas já instaladas no país. Assim, torna-se legítimo questionar se a formação está orientada para as necessidades de desenvolvimento de Moçambique ou para a expansão de interesses estrangeiros. A formação técnica não pode limitar-se a preparar mão-de-obra para projectos externos, deve preparar cidadãos capazes de inovar, empreender e transformar o próprio país.
Por outro lado, o envolvimento da China pode servir de estímulo positivo para o governo moçambicano repensar a valorização da formação profissional. O ensino técnico ainda é socialmente subestimado, muitas vezes visto como alternativa para quem “não consegue” seguir o ensino superior. Mudar essa percepção requer estratégias claras, continuidade nas acções e uma ligação mais estreita entre as escolas e o mercado interno de trabalho.
O sucesso desta parceria dependerá, acima de tudo, da capacidade de Moçambique em negociar em pé de igualdade. É necessário que os currículos sejam definidos com base em necessidades nacionais, que os professores assumam papel central na formação e que a transferência de conhecimento seja real e duradoura. A cooperação internacional deve ser um meio, não um fim.
Ninguém nega a importância da China como parceiro estratégico, mas a verdadeira soberania educativa mede-se pela capacidade de um país formar os seus cidadãos para pensar, criar e produzir com autonomia. Se esta cooperação for usada com visão e prudência, poderá abrir caminhos de progresso. Se for conduzida sem reflexão crítica, corre o risco de perpetuar a dependência sob nova roupagem.






