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O encerramento da Lixeira do Hulene representa não apenas o fim de uma infraestrutura degradante, mas também o início de um novo paradigma urbano. Trata-se de um marco ambiental, social e económico que poderá transformar um dos maiores passivos ecológicos da cidade de Maputo num polo de inovação verde, com potencial para gerar emprego, restaurar o território e promover justiça ambiental.
Após décadas de protestos e pressão da sociedade civil, o Município de Maputo avançou com um concurso público para o encerramento e reconversão da Lixeira do Hulene. O Vereador João Munguambe explica que o projecto tem duas dimensões: ambiental, por corrigir uma situação insustentável de deposição de resíduos, e económica, por abrir caminho à valorização dos resíduos como insumo produtivo.
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p style=”margin-top: 0in;text-align: justify;background-image: initial;background-position: initial;background-size: initial;background-repeat: initial;background-attachment: initial”>“Queremos um modelo de economia circular, com triagem, reaproveitamento e só o que não for utilizável será enviado ao aterro sanitário de Katembe”, declarou o vereador ao Semanário Económico.
A proposta contempla a instalação de centrais de triagem, separação de resíduos e aproveitamento de biogás. A intenção é mobilizar até 12 milhões de dólares, com incentivos municipais e o enquadramento na Lei de Investimentos, para atrair operadores privados nacionais e internacionais.
Uma história de degradação e sobrevivência
A Lixeira de Hulene existe desde os anos 1970, mas foi engolida pela expansão urbana desordenada. Hoje, a decomposição descontrolada de resíduos compromete os solos, os lençóis freáticos e a saúde de milhares de residentes. “As crianças brincam em meio ao lixo, expostas a doenças respiratórias e de pele”, alerta Berta Membawaze – Coordenadora do Projecto – LIVANINGO.
Contudo, a lixeira também é fonte de sustento para mais de 1.500 catadores. Rui Silva, activista ambiental, defende que “não se pode esquecer esta classe trabalhadora invisível, que presta um serviço ambiental valioso à cidade”.
“Há jovens formados entre os catadores. Muitos recusariam um emprego formal porque, na lixeira, conseguem garantir o pão de cada dia”, afirma o vereador.
Os termos de referência do concurso exigem dos proponentes soluções inclusivas para a integração produtiva desta população, com prioridade para modelos associativos, microempresas e capacitação.
Da regeneração à inovação
O modelo proposto inspira-se em experiências como a da LIPOR, em Portugal, onde uma antiga lixeira foi transformada num parque ecológico com indústrias de compostagem, oficinas de recondicionamento de resíduos electrónicos e hortas comunitárias.
“Maputo pode ser um caso de sucesso e inspirar outras cidades moçambicanas”, afirma Rui Silva, que participa em projectos de reaproveitamento como o das cápsulas de café transformadas em arte e mobiliário.
O activista salienta ainda que a indústria da reciclagem, embora promissora, é intensiva em capital e deve beneficiar de incentivos fiscais do Governo Central. Já o biogás, produzido pela decomposição dos resíduos orgânicos, pode gerar até 12% da energia necessária para Maputo, segundo estimativas preliminares.
Fiscalização, comportamento e sustentabilidade
Ambos os entrevistados enfatizam que o sucesso do projecto depende de mudança de comportamento dos cidadãos, com separação básica dos resíduos em casa, e de uma fiscalização rigorosa dos operadores, para evitar desvirtuamentos do objectivo público.
O encerramento da lixeira deverá ser acompanhado de um plano de recuperação ecológica: contenção do chorume, reabilitação do solo, captação de gases e posterior reutilização do espaço. “Não se trata apenas de fechar fisicamente, mas de transformar e devolver o território à população”, defende Rui Silva.
“Não produzimos lixo — produzimos matéria-prima. Só precisamos organizá-la, aproveitá-la e distribuí-la com justiça e visão”, conclui.
Fonte: O Económico