27.1 C
New York
Tuesday, October 14, 2025
InícioTecnologiaEntre o Fascínio e o Exagero dos Mini-Cérebros Digitais

Entre o Fascínio e o Exagero dos Mini-Cérebros Digitais

Resumo

A empresa suíça FinalSpark não está a construir computadores com base em cérebros humanos vivos, mas sim a explorar a biocomputação através de organoides neurais, estruturas com neurónios humanos cultivadas em laboratório. Estes organoides não possuem consciência, memória ou pensamento, sendo apenas massas neurais que reagem a estímulos elétricos. A empresa argumenta que a biocomputação pode consumir menos energia do que os processadores convencionais, mas muitas das suas afirmações carecem de verificação independente. A investigação levanta questões éticas sobre o cultivo de tecido humano para fins computacionais e sobre o potencial desenvolvimento de comportamentos sofisticados. A FinalSpark está a dar os primeiros passos numa investigação que mistura curiosidade, ambição e especulação, sendo importante manter um equilíbrio entre entusiasmo e prudência nesta área.

Por: Alfredo Júnior

Nos últimos dias, ganhou força nas redes a ideia de que uma empresa suíça, chamada FinalSpark, estaria a construir computadores com base em cérebros humanos vivos. A frase é impactante, desperta fascínio e medo, e por isso espalhou-se rapidamente. Mas como acontece em muitos casos de divulgação científica, entre a frase viral e a verdade dos factos existe um longo caminho que precisa de ser percorrido com clareza.

A FinalSpark é uma startup de biotecnologia que trabalha numa área conhecida como wetware, um campo emergente que explora o uso de tecido biológico, especialmente neurónios, como alternativa aos chips tradicionais de silício. No seu projecto mais ambicioso, a empresa cultiva organoides neurais, estruturas com milhares de neurónios humanos, desenvolvidas em laboratório e liga-os a sistemas de eletrodos para estudar como essas redes celulares respondem a estímulos eléctricos. A isto chamam Neuroplatform, uma plataforma que investigadores podem aceder remotamente para experimentar com biocomputação.

É importante esclarecer: não estamos a falar de cérebros humanos no sentido funcional ou consciente. Um organoide não contém memória, emoção ou pensamento. É uma massa neural que pode reagir a impulsos, mas não possui qualquer forma de consciência. Portanto, a ideia de que existem “computadores vivos” capazes de pensar ou decidir está longe da realidade. O que existe é um conjunto experimental, altamente limitado, onde tecidos neurais são estimulados e observados para entender se podem aprender padrões ou armazenar informação rudimentar, em alguns casos, um único bit.

Ainda assim, o potencial não deve ser descartado. Há experiências em que estes organoides alteraram os seus padrões eléctricos em resposta a estímulos, sugerindo uma forma primitiva de aprendizagem biológica. A FinalSpark chegou a interligar dezasseis organoides num mesmo sistema, e argumenta que, no futuro, este tipo de biocomputação poderá consumir energia infinitamente inferior à dos processadores convencionais. Mas até aqui entram os limites e os exageros.

Grande parte das afirmações da empresa não foi ainda verificada por estudos independentes. Não há artigos científicos amplamente revistos que confirmem promessas de capacidade ou eficiência. Os organoides vivem cerca de cem dias antes de começarem a morrer, exigem manutenção biológica constante, nutrientes, oxigénio, ambiente estéril  e estão muito longe de resolver operações complexas. A comparação com computadores reais serve, por agora, mais ao marketing do que à ciência.

Além disso, há portas éticas que um dia terão de ser abertas. Até que ponto é legítimo cultivar tecido humano para fins computacionais? Que estatuto daremos a um sistema biológico que, eventualmente, possa desenvolver comportamentos mais sofisticados? E se um dia este tipo de pesquisa ultrapassar os limites do que podemos controlar?

A FinalSpark está a explorar uma fronteira intrigante entre a biologia e a tecnologia, mas o que faz hoje não é criar cérebros artificiais nem máquinas conscientes. É apenas o primeiro passo de uma investigação que mistura curiosidade, ambição e especulação. O entusiasmo deve ser acompanhado de prudência. O futuro da computação pode vir a ser biológico, mas ainda não é humano e convém que não seja a propaganda a definir o que é ciência.

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu nome aqui
Por favor digite seu comentário!

- Advertisment -spot_img

Últimas Postagens

António Guterres fala a jornalistas em frente ao Conselho de Segurança

Guterres elogia libertação de reféns em Gaza, mais de dois anos...

0
As Nações Unidas saudaram a libertação dos reféns israelenses em Gaza, após o ataque do Hamas em outubro de 2023. O líder da ONU, António Guterres, expressou...
- Advertisment -spot_img