Armando Miguel Correia de Sá, ou apenas o “Comboio da Luz”, rumou a Espanha há mais de 20 anos, quando trocou o Benfica pelo Villarreal. Para trás ficaram lições de capitães e mestres, ainda que no “Submarino Amarelo” tenha encontrado estrelas e promessas.
No outro lado da Península Ibérica, o antigo lateral acumulou façanhas e conviveu com Riquelme, Diego Forlán, Mauricio Pochettino, entre outros. Até que rumou a Inglaterra e ao Irão, no fim da carreira de jogador.
Desde Vancouver, no Canadá, onde prepara a quarta época como adjunto do Pacific FC – campeão em 2019 – o antigo defesa de Benfica e Sp. Braga recorda, ao Maisfutebol, desafios em paragens distintas, até antagónicas.
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Maisfutebol: Em 2004 assina pelo Villarreal, numa época embelezada pela conquista da Intertoto, o 3.º lugar na La Liga e os “quartos” da Taça UEFA.
Armando Sá: Tive várias propostas para sair do Benfica, nomeadamente de França e Espanha. Tinha o objetivo de jogar na La Liga e o Villarreal servia de referência. Eles já andavam de olho e o Jose Antonio Camacho ajudou à transferência. No centro de treinos identifiquei de imediato os jogadores de elite. E havia um miúdo, o Santi Cazorla. Esta equipa conseguiu uma grande época, pela primeira vez atingimos a Liga dos Campeões. O único dissabor foram os “quartos” da Taça UEFA, fomos eliminados pelo AZ Alkmaar. O famoso “Submarino Amarelo” era uma equipa de luxo. Vencemos o Barcelona, em casa, por 3-0. Joguei contra Figo, Ronaldinho, Deco, entre outros, foi um privilégio. Conhecer este contexto, lidar com egos e estrelas foi uma aprendizagem importante, porque recordo a forma como os treinadores lidavam com aquelas personagens.
MF: O chileno Manuel Pellegrini era um professor? O que relata foi há 20 anos, este treinador ainda está na La Liga [ao serviço do Betis].
AS: Era o “gentleman”, sempre com o mesmo tom de voz. Fez um belíssimo trabalho, porque apenas um “gentleman” é capaz de segurar um grupo como aquele. O caráter do mister encaixou no núcleo do plantel. Estávamos ao nível de Real Madrid e Barcelona, também pelos egos.
MF: (…)
AS: O Riquelme treinava pouco com o grupo, geria o próprio treino. Lembro-me dos atacadores das chuteiras sempre desapertados, era um vício. A qualidade de passe era decisiva. Tanto ele como o Diego Forlán decidiam. Desse avançado recordo o empenho e a humildade, quando chegávamos ao relvado ele já lá estava. Fazia ginásio, cardio e técnica, em várias sequências, antes de trabalhar com o grupo. Ele pedia para treinar comigo: “Armando, preciso que me marques”. Eu era rápido e intenso, e ele gostava. Ficámos amigos, ele é muito humilde. Chega do Manchester United e pergunta-me como melhorar. Nem sabia o que responder. Nessa época [2004/05], o Forlán conquistou a Bota de Ouro, com mais golos do que o Samuel Eto’o, e sem penáltis – o Riquelme não cedia.
MF: Por falar em sul-americanos, jogou com Mauricio Pochettino no Espanhol, em 2005/06, época na qual conquistaram a Taça do Rei.
AS: Era um dos capitães, contava com uma grande bagagem – passando pelo PSG – e era lenda naquele clube. O plantel contava também com os jovens Zabaleta e Juanfran, os meus suplentes, laterais de topo mais tarde. Depois, tínhamos o avançado Raúl Tamudo e o médio Iván de la Peña. Quanto ao Pochettino, era o central que construía, então essa liderança ajudou-me a enriquecer a perceção da organização defensiva. Agora é o selecionador dos Estados Unidos, espero reencontrá-lo em breve.
MF: No final da carreira como jogador, o Armando passou pelo Leeds – na II Liga inglesa – e rumou ao Irão. Já disse que «quem vive três anos no Irão, vive em qualquer parte do Mundo». Porquê?
AS: Fui um sortudo. Realizei, entre outros sonhos, o objetivo de jogar em Inglaterra, num dos clubes mais emblemáticos. Na época seguinte, tive a oportunidade de assinar pelo Málaga, mas optei pelo Irão. Em termos financeiros era vantajoso. A princípio lidei com um choque, pelo contexto, mas adaptei-me. Um dos segredos na minha carreira está relacionado com a capacidade de adaptação.
MF: Algo que vem de infância.
AS: Sim, saí de Moçambique muito novo e sozinho, sem a minha mãe. As vivências em Portugal ajudaram-me a trabalhar esta capacidade de adaptação. No Irão, fui morar para a fronteira com o Iraque, numa cidade parcialmente destruída pela guerra. Por isso, as paredes tinham marcas de balas. O colchão era duro, parecia que dormia no chão. Para não falar da internet. Pensei: “Onde é que me vim enfiar?”. Fiquei assustado. Com o passar dos meses fui conhecendo a paixão daquele povo pelo futebol, fator decisivo para permanecer no Irão. Acabámos por ser campeões e restam boas memórias.
Prossiga para a quarta e última parte desta conversa entre Armando Sá e o Maisfutebol.
Fonte: Mais Futebol