Indefinição Tarifária Expõe Fragilidade da Relação Entre o Estado e a Mozal

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O braço-de-ferro entre a Mozal e o Governo moçambicano em torno das tarifas de energia ameaça não apenas a continuidade da maior fundição de alumínio do país, mas também a estabilidade de um sector estratégico para a economia nacional. O caso expõe um dilema estrutural: até que ponto Moçambique deve sustentar megaprojectos com subsídios energéticos que drenam recursos do Estado, em troca de receitas fiscais limitadas e de um frágil encadeamento produtivo interno?

O peso da Mozal na economia nacional

Inaugurada no final da década de 1990, a Mozal tornou-se rapidamente um dos maiores símbolos de industrialização em Moçambique. Hoje representa cerca de 3 % do PIB, responde por 40 % da produção manufatureira e é uma das principais exportadoras, com um volume de vendas internacionais superior a 1,1 mil milhões USD em 2024. Estima-se que o projecto movimente mais de 43 mil milhões de meticais anuais e assegure milhares de postos de trabalho diretos e indiretos.

Contudo, o peso da fundição na economia contrasta com o seu fraco retorno fiscal. Em 2024, a Mozal não pagou um único metical em dividendos ao Estado, alegando prejuízos contabilísticos, depois de em 2023 ter transferido apenas 274 milhões de meticais (cerca de 4,3 milhões USD). Para um projecto desta magnitude, os números revelam uma desconexão entre a sua importância macroeconómica e a sua contribuição efetiva para o Tesouro.

O cerne da disputa: energia como recurso estratégico

O diferendo gira em torno da tarifa de energia. A Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) vende actualmente eletricidade à Eskom da África do Sul a 6,4 cêntimos de dólar/kWh, valor que considera referência mínima para qualquer outro contrato. A Mozal, porém, procura condições mais favoráveis, alegando que custos mais elevados inviabilizam a competitividade internacional da sua produção.

O problema é que o cenário energético moçambicano é de forte pressão: seca severa, barragens com apenas 23 % da capacidade de armazenamento e um programa de reabilitação que reduzirá a produção no curto prazo. Para o Governo e para a HCB, vender abaixo da tarifa de mercado equivaleria a um subsídio oculto a uma multinacional com acionistas bilionários, comprometendo investimentos urgentes no sector eléctrico e a própria segurança energética do país.

Pressão financeira sobre a South32

O impasse já começou a refletir-se nos balanços da empresa. A australiana South32, que controla a Mozal, anunciou recentemente uma redução do valor contabilístico do activo em 372 milhões USD, passando o seu valor líquido para apenas 68 milhões USD. A companhia admite que, se não houver acordo, a produção cairá em 2026 para 242 000 toneladas (contra as 355 000 toneladas previstas para 2025), com a possibilidade de colocar a operação em regime de “care and maintenance”.

Este ajustamento financeiro ilustra a seriedade da disputa e serve também como instrumento de pressão sobre as autoridades moçambicanas, sinalizando que a própria controladora já considera a operação de risco elevado.

Dependência e soberania em choque

A análise publicada pelo semanário Savana sublinha que este diferendo não é apenas uma questão empresarial, mas um verdadeiro teste à soberania energética do país. A energia da HCB é um activo estratégico que deve financiar a expansão do sistema eléctrico nacional, apoiar pequenas e médias indústrias e garantir luz para milhões de cidadãos — e não ser canalizada como vantagem competitiva exclusiva para um megaprojecto.

No mesmo sentido, Gil Tamele Inácio, em artigo de opinião intitulado “O Gigante que Não Pode Continuar de Joelhos”, critica a lógica de dependência construída em torno da Mozal. Para o autor, a fundição deve operar como parceira no desenvolvimento nacional, aceitando preços justos, ampliando compras a fornecedores locais e contribuindo activamente para investimentos no sector energético. “Gigantes que só crescem de joelhos, apoiados no sacrifício de quem os hospeda, não são força motriz, são peso morto”, escreve Inácio.

O dilema para Moçambique é claro: por um lado, a Mozal é crucial para a economia — garante exportações, empregos e uma fatia relevante do PIB; por outro, a manutenção de subsídios energéticos perpetua um modelo de dependência que mina a sustentabilidade do sector eléctrico e limita a capacidade do Estado de investir em sectores estratégicos.

A ameaça de encerramento em 2026, caso não haja acordo tarifário, revela que a relação entre o Estado e a Mozal precisa ser profundamente reequilibrada. Mais do que uma reestruturação do contrato, o momento exige uma redefinição estratégica: ou a Mozal se compromete com uma lógica de benefício mútuo — aceitando tarifas justas, fortalecendo a integração produtiva e aumentando a contribuição fiscal —, ou Moçambique terá de repensar que tipo de megaprojectos quer hospedar no seu território.

Fonte: O Económico

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