Isenção tarifária chinesa: oportunidade histórica ou ilusão para Moçambique?

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Questões-Chave:
• China elimina tarifas sobre exportações de 53 países africanos, incluindo
Moçambique e grandes economias como Nigéria e Egipto;
• No caso moçambicano, isenção abrange 98% dos produtos agrícolas e
minerais, mas impacto real é questionado;
• Especialistas apontam falta de capacidade produtiva e desequilíbrio estrutural
nas trocas com a China;
• Pequim procura reduzir dependência do Ocidente, garantir matérias-primas e
consolidar influência estratégica em África;
• Agricultura e gás natural são sectores com maior potencial, mas exigem
reformas profundas e investimentos sustentados.

A decisão da China de eliminar tarifas aduaneiras sobre exportações de 53 países africanos, incluindo Moçambique, é apresentada como uma medida de estímulo ao comércio e à industrialização do continente. Contudo, sem transformação estrutural, o país poderá continuar a importar mais do que exporta – e a depender de Pequim.

A partir de Setembro, a China eliminou 98% das tarifas alfandegárias aplicadas a produtos agrícolas e minerais provenientes de nove países africanos de baixo rendimento, entre os quais se inclui Moçambique. A medida integra uma política mais abrangente de Pequim, que estendeu a isenção total a 53 nações do continente, abrangendo também grandes economias como a África do Sul, Nigéria, Egipto, Marrocos e Quénia.

Para os países africanos, trata-se de um acesso preferencial sem precedentes ao maior mercado do mundo – com especial incidência nos sectores agrícola, mineiro, têxtil e de manufactura ligeira. A China, por seu lado, visa fortalecer a segurança das suas cadeias de abastecimento, assegurar matérias-primas estratégicas e consolidar a sua influência geopolítica em África, sobretudo num contexto de reconfiguração das alianças comerciais globais e crescente distanciamento das potências ocidentais.

Moçambique: Potencial inexplorado ou mais do mesmo?

No caso moçambicano, o entusiasmo é mitigado pelo realismo. O economista João Mosca, do Observatório do Meio Rural (OMR), sustenta que a medida terá “praticamente nenhum efeito” na economia nacional, face à incapacidade produtiva e à persistente dependência alimentar externa. “Moçambique não tem capacidade para produzir alimentos para exportação”, advertiu.

Com um perfil económico centrado na exportação de matérias-primas em bruto, Moçambique apresenta uma estrutura comercial assimétrica, com a China a figurar como um dos principais credores e parceiros comerciais – mas com um saldo fortemente desfavorável para Maputo. A isenção tarifária, nesse contexto, pouco ou nada faz para alterar os desequilíbrios ou aliviar a pressão sobre a dívida externa.

Interesse chinês no gás e na terra agrícola

Apesar disso, há áreas em que os interesses de Pequim coincidem com o potencial moçambicano. A recente associação entre empresas chinesas e sul-coreanas para a exploração de gás natural na Bacia do Rovuma, com início de produção previsto para 2024, é reveladora de uma aposta de longo prazo no sector energético.

Ao mesmo tempo, a China – maior importador mundial de alimentos – manifesta crescente interesse em terras aráveis africanas, com Moçambique a surgir como peça importante na geoestratégia alimentar chinesa. “A China quer reservar terras desde Moçambique até ao Corno de África”, recorda Mosca, numa alusão a ambições estruturais de produção offshore de alimentos.

Entre a retórica da industrialização e a prática do extrativismo

Embora a China proclame a intenção de “industrializar África nos próximos 100 anos”, como alegadamente afirmou um antigo presidente chinês a um ex-primeiro-ministro moçambicano, a prática recente sugere uma expansão orientada para o acesso a recursos e zonas de influência – mais do que uma real transferência de capacidades industriais.

Segundo Harry Verhoeven, investigador da Universidade de Columbia, a isenção aduaneira poderá beneficiar sobretudo os importadores chineses, salvo no caso dos bens transformados e manufaturados, onde alguns países africanos começam a diversificar a oferta.

Reformas estruturais como condição necessária

Em última análise, o impacto económico desta abertura dependerá menos da China e mais da capacidade dos países africanos – incluindo Moçambique – em estruturar sectores produtivos orientados para a exportação, modernizar infraestruturas logísticas e cumprir padrões internacionais de qualidade.

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p style=”text-align: left”>Sem tais reformas, a isenção tarifária corre o risco de se transformar numa rota de sentido único: mais exportações africanas em bruto, mais produtos chineses nos mercados africanos, e o mesmo défice estrutural de sempre.

Fonte: O Económico

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