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Saturday, September 13, 2025
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Mais de 800 suicídios em dez anos expõe crise social e emocional em Inhambane

Inhambane é muitas vezes descrita como terra de boa gente e de trabalho árduo, referência turística e cultural de Moçambique. Mas por trás dessa imagem de hospitalidade e de desenvolvimento esconde-se uma dura realidade: a província tem uma das mais elevadas taxas de suicídio do país.

Em apenas dez anos, mais de 800 pessoas colocaram termo à própria vida, deixando famílias desfeitas e comunidades inteiras mergulhadas num silêncio doloroso.Só nos primeiros seis meses deste ano, já foram registados oficialmente 16 casos de suicídio, um número que acende o alerta das autoridades e de várias organizações sociais.

Homens jovens e adultos continuam a liderar a lista das vítimas, e os distritos de Massinga, Inharrime e Jangamo surgem entre os mais críticos. Problemas financeiros, desilusões passionais, abandono familiar e até fatores ligados a crenças culturais estão entre as principais razões apontadas para justificar este fenómeno.

Na linha da frente desta luta está Bendita Lopes, Secretária de Estado na província de Inhambane, que em entrevista ao “O Pais” detalhou a dimensão do problema e as medidas em curso para tentar inverter este cenário alarmante.Segundo a governante, só no primeiro trimestre deste ano, depois de várias campanhas de sensibilização, palestras comunitárias e vigilância reforçada, ainda assim nove pessoas, na sua maioria jovens, perderam a vida por suicídio. “Esses nove casos foram oficialmente registados nos nossos serviços de saúde, principalmente nos distritos de Massinga, Funhalouro e Govuro. Mas sabemos que há outros casos que não entram de imediato nas estatísticas. Por isso, estamos a trabalhar na criação de um banco de dados mais robusto e atualizado, que reflita a real dimensão do problema na província”, explicou Bendita Lopes defende que o combate ao suicídio exige ciência, organização e proximidade às comunidades.

“Estamos a apostar em estudos científicos realizados pelas nossas universidades e centros de pesquisa. Esses estudos são fundamentais porque nos permitem compreender as motivações reais das pessoas e, a partir daí, elaborar planos de ação que se ajustem às especificidades locais.

Cada distrito tem as suas próprias causas e dinâmicas, e precisamos de respostas adaptadas”, disse. Entre os factores identificados, a Secretária de Estado destaca ciúmes passionais, muitas vezes descontrolados, que transformam relações em cenários de posse e conflito; jogos de azar, como a popular aplicação aviador, que leva jovens a perderem dinheiro e esperança; e ainda situações de feitiçaria e abandono familiar.

“Temos registado adultos e idosos que se suicidam porque sentem-se rejeitados pelos filhos, acusados injustamente de feitiçaria ou simplesmente esquecidos depois de anos de sacrifício. Este sentimento de inutilidade e exclusão é devastador”, sublinhou.

A governante acrescentou que, para além da mobilização comunitária, o Estado está a estruturar um plano provincial de prevenção e combate ao suicídio. Este plano prevê a criação de um banco de dados unificado, coordenação interinstitucional e parcerias com várias entidades, desde as rádios comunitárias até ao Conselho Cristão de Moçambique e à Associação dos Médicos Tradicionais. “Estamos a trabalhar com todos, desde os psicólogos, sociólogos e antropólogos até às lideranças religiosas e comunitárias. Só assim podemos levar mensagens de esperança e de valorização da vida às zonas mais recônditas da província”, reforçou.

Bendita Lopes destacou ainda a necessidade de mudar a forma como se fala do suicídio. “O lema do nosso triênio 2024-2026 é mudar a comunicação sobre o suicídio e começar a conversar.

Queremos quebrar o silêncio, porque muitas vezes a falta de diálogo e de escuta ativa agrava o sofrimento das pessoas. Precisamos que as famílias, as escolas, os serviços e até os colegas de trabalho estejam atentos aos sinais de risco e ofereçam suporte a quem mais precisa”, afirmou.

No plano prático, a província está a desenvolver campanhas de sensibilização nas comunidades, ações de capacitação para gestores e profissionais, e iniciativas que envolvem diretamente os jovens, identificados como um dos grupos mais vulneráveis.

“O alto custo de vida, a pressão social e a falta de oportunidades fazem com que muitos jovens prefiram desistir da vida em vez de enfrentar os desafios. É uma realidade dolorosa que temos de enfrentar com coragem e determinação”, disse a governante. As acções, segundo a Secretária de Estado, têm sido intensificadas ao longo de setembro, mês mundialmente dedicado à prevenção do suicídio, mas não se esgotam neste período. Marchas, palestras, encontros comunitários e programas de rádio têm sido usados como veículos para espalhar mensagens de esperança.

“O objetivo é que cada pessoa perceba que a vida é valiosa, que cada um é importante e amado, e que desistir nunca deve ser a solução”, concluiu Bendita Lopes. Apesar dos esforços, os números continuam preocupantes. Cerca de 80 pessoas por ano decidem pôr fim à vida em Inhambane, uma média que faz soar alarmes e exige respostas urgentes. A luta contra o suicídio, defendem as autoridades, não se resume apenas a estatísticas, mas passa pela construção de comunidades mais solidárias, pela valorização da saúde mental e pelo resgate da autoestima de cada cidadão.

Fonte: O País

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