Por: Alfredo Júnior
Maputo não acorda, ela desperta contrariada, resmunga com o despertador e ameaça ficar mais cinco minutos todos os dias, a cidade abre os olhos com pressa, mas o corpo fica para trás. Só arranca com um empurrão, geralmente dado por um bué de buzinas
A rotina começa com a já tradicional corrida contra o tempo, que, diga-se de passagem, Maputo perde todos os dias. O chapa do Zimpeto não vem, quando vem, vem cheio. Quando vem vazio, está a levantar. E quando finalmente pára, é uma batalha de cotovelos para garantir o assento ou pelo menos um lugar onde não se esteja a respirar o sovaco de alguém.
Aliás, devia haver campeonatos nacionais de equilíbrio, porque só em Maputo se consegue viajar meia hora pendurado, com um pé no degrau e o outro em oração, e os verdadeiros profissionais saem e entram do chapa em movimentos que fariam inveja a qualquer estrela de cinema, principalmente ali na Paragem de Benfica.
E o trânsito? Ah, o trânsito! Maputo é a única cidade onde se pode sair de Chamanculo às 06h e chegar atrasado às 08h30… para uma reunião que era às 08h. Há carros, motas, peões, vendedores ambulantes, bicicletas e galinhas, tudo na mesma faixa, e todos têm prioridade
Na paragem, ninguém fala de política ou futebol, o tema dominante é “Já passou quanto tempo?” Uma senhora diz que o chapa está a vir, mas está a vir há 40 minutos. Já virou um conceito filosófico: estar a vir é não estar nem aqui nem lá, mas num plano superior onde o tempo não se aplica
No meio disso tudo, há quem ainda consiga sorrir, um vendedor que canta, uma senhora que dança com a capulana ao vento, uma criança que brinca com uma tampa de garrafa como se fosse um carro de Fórmula1
Maputo pode não acordar animada, mas ri de si mesma, e sobrevive. Porque no fim do dia, quando o sol se esconde entre os prédios cansados da Malhangalene e a fumaça de grelhados nas esquinas do Museu, a cidade respira fundo, calça os chinelos, e diz com orgulho:
“Amanhã, vamos tentar outra vez, vamos phandar”
