Militares sentem-se abandonados pelo Estado após combate ao terrorismo em Cabo Delgado

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Mais de 300 militares denunciam que combateram o terrorismo em Cabo Delgado sem qualquer pagamento e, ao fim de um ano, foram mandados aguardar em casa. O grupo sente-se abandonado pelo Estado e relata situações difíceis por falta de logística

Trata-se de jovens que cumpriram o Serviço Militar Obrigatório e que estavam numa situação de desmobilizados. Entretanto, responderam a um chamamento para defender a pátria, prontificaram-se para estar na linha da frente e assim o fizeram.

“Fui formado em Chókwè, na 8ª Brigada, em 2018, e fui desmobilizado em 2020. O Ministério da Defesa lançou um documento do Batalhão 110, pertencente à Moeda, que precisava de desmobilizados para serem reintegrados e voltarem a trabalhar para as Forças Armadas, para defender a nossa nação. Nós vimos aquele documento e seguimos. Havia indicação para nos deslocarmos para o ‘PCC de Macomia’, isso em Cabo Delgado. Quando nos receberam, disseram que ‘a vossa reintegração está em Catupa’”, descreveu um dos militares.

Foi em Agosto do ano passado. A base de Catupa, em Macomia, é muita falada. Trata-se de uma região que já funcionou como base dos terroristas e depois de uma grande ofensiva a tropa nacional tomou a zona, mas nunca foi um local tranquilo. O último ataque dos terroristas foi na tarde de 27 de Maio deste ano.

“Durante aquele ataque, perdemos muitos colegas e há outros que até hoje não sabemos se chegaram à casa ou não”, anotou outro militar, suportado por um outro que deu a entender as fragilidades de logística na posição em que estiveram a combater durante um ano. “Nos abateram, mas não recuamos. Só que, por falta de algum material, recuamos. Algumas pessoas não tinham armamento. O armamento não era suficiente para o efectivo que estava lá”. Foi durante esse combate que o nosso entrevistado foi atingido no antebraço esquerdo: “Recebi um tiro de PK lá, em Macomia, tentei puxar-me e alguns colegas ajudaram-me a sair da mata.”

Nas matas do Norte de Cabo Delgado travam-se batalhas sangrentas quase todos os dias. O que o grupo de mais de 300 militares não esperava é que pudesse combater em situações difíceis, mas sem qualquer tipo de remuneração e, por fim, receber uma ordem de retirada para casa e menos de quatro mil meticais para o transporte de regresso à procedência.

“Ontem entrou uma comitiva dizendo que a nossa reintegração ainda não foi aceite e que tínhamos que ir aguardar em casa. Ficámos espantados e perguntámos como aguardar em casa, porque estamos há um ano sem nada. No meu caso, deixei esposa em casa e tenho uma criança recém-nascida. Não mandava nada e para comer tinha que mandar dinheiro para casa. Fiquei três meses naquela posição sem nada para comer. Vivia de hortaliças todos os dias, sem sal e sem óleo. Passámos dificuldades de comida. Aguentamos e acabou entrando comida e ficamos perguntando quando é que afinal íamos começar a receber e disseram para aguardarmos, porque a nossa reintegração estava em processo”, lamentou outro militar.

Ao todo, são mais de 300 homens que foram dispensados em Macomia, nesta segunda-feira. A entrevista aconteceu num dos terminais de transporte interprovincial em Nampula, de onde seguiram para a sua procedência de mãos a abanar, carregando a frustração de uma situação que para eles não faz sentido.

“Como é que um formado fica em casa? Será que não há-de haver mais criminalidade? Não é fácil formar um homem e depois descartar. Conviver com uma pessoa na sociedade que sabe usar armas, sabe fazer ataque e sair vitorioso. É muito doloroso para mim”, desabafou o nosso último entrevistado.

Dos mais 300 militares em causa, cerca de metade são naturais de Cabo Delgado e os restantes das outras províncias.

Fonte: O País

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