Por: Alfredo Júnior
No meu país, a Constituição diz uma coisa muito bonita: o povo é o dono dos recursos naturais. Na teoria, é o patrão. Aquele patrão de fato e gravata, caneca de café na mão, que só espera que o trabalhador entregue o famoso relatório mensal:
“Chefe, aqui está o que produzimos, o que entrou, o que saiu e onde foi parar o dinheiro.”
Mas na prática… ah, na prática, esse patrão nunca viu nem a sombra desse relatório.
O trabalhador, que devia ser o governo, aparece todos os dias cheio de pressa, terno amarrotado e com cheiro de reuniões intermináveis. Quando o patrão pergunta:
— E o relatório dos recursos minerais?
Ele responde com aquela habilidade digna de artista:
— Vamos tratar disso, chefe. Olhe, agora há assuntos urgentes: uma nhoga ali, uma bolada suspeita acolá, uma conferência internacional onde temos de explicar como estamos “a melhorar”. Depois trato disso.
E assim passa-se o tempo.
Enquanto isso, lá em baixo, no subsolo, o país produz gás, rubis, areias pesadas e tudo o que faz brilhar o olho de investidores estrangeiros. E lá em cima, no escritório, o patrão continua à espera daquele documento que nunca chega.
O povo-patrão observa tudo com uma calma invejável. Alguns dizem que é matreco. Outros dizem que é cego. Mas, na verdade, o povo é mestre em fingir que manda, porque já percebeu que exigir relatório aqui é como pedir troco numa barraca às três da manhã: pode esperar sentado.
E assim prossegue a novela:
Os recursos saem da terra, mas o relatório nem chega ao papel.
As riquezas seguem viagem, mas a prestação de contas perde sempre o avião.
O patrão não vê o dinheiro, mas vê sempre novas promessas.
O trabalhador não entrega o relatório, mas entrega discursos, seminários, conferências e inaugurações.
E no fim, o país ri para não chorar. Porque aqui, para procurar transparência, não basta lanterna. É melhor trazer lanterna, lupa, binóculos e, se possível, um detector de mentiras.






