“Para nós, mulheres, um marido não é leveza, é um fardo. O marido não é companheiro, é dono, é patrão. Não dá liberdade, prende. Não ajuda, dificulta. Não dá ternura, dá amargura. Dá uma colher de gosto e um oceano de desgosto”
in Niketche, Paulina Chiziane
Numa nova temporada de manifestações artísticas, dentro da histórica Associação Cultural Casa Velha, na cidade de Maputo, o início da noite do dia 5 de Agosto, proporcionou um ambiente teatral, num momento sublime, de reflexão, no âmbito das culturas tradicionais africanas. Naquele espaço, uma peca teatral doi adaptada de uma historia de poligamia, baseada no clássico da literatura moçambicana Niketche, romance de Paulina Chiziane.
Ao apresentar-se no palco, o grupo de actrizes da Luarte (Arlete Bombe, Deize Manjate, Helena Tembe, Moiasse Sambo e Julieta Lopez), dirigido por Nelson Faquire, numa encenação, cenografia e som conduzido por Eliot Alex, ousou teletransportar o público ao universo de tradições moçambicanas, destacando o papel da mulher no lar.
Assim como no livro original, na peça teatral a narrativa também se desenrola em volta da personagem Rami, a primeira esposa de Tony. Trajada dum simbólico profissionalismo cénico, a actriz Arlete Bombe incorporou com verdade a personagem protagonista, contracenando de forma natural com as quatro actrizes complementares na peça.
Para além de mostrarem o valor da sua versatilidade, ao dialogar com o público, provando o quão fundamental é a participação do público em representações teatrais, demonstraram, acima de tudo, um certo nível de capacidade criativa e cumplicidade feminina, numa peça sobre poligamia interpretada somente por mulheres, numa época em que a tradição está sendo pouco a pouco extinta pela globalização cultural.
A superstição construiu também o enredo da história, gerando um conflito interno, principalmente na personagem protagonista. A Mauá e a Luísa, assim como as outras duas esposas de Tony, revelaram à Rami o segredo por detrás dos seus dotes de sedução para prender o marido, depois dele exigir o divórcio com Rami, incitando o público a compreender o significado do companheirismo concebido mais tarde entre as rivais.
No decorrer da actuação, algumas actrizes no palco trocavam de figurino, enquanto as outras contracenam, mas isso pouco notava-se, porque a contracenação instigava mais o olhar atento do público.
Com o auxílio do trabalho cenográfico, assim como do som e luz, essenciais para aquele género de apresentação, a peça explorou a diversidade cultural moçambicana, nas roupas, na dança e no som do estilo tradicional marrabenta, garantindo a aproximação da realidade à história.
Em cada acto, o espetáculo “Niketche” projectou algumas respostas para questões tradicionais do passado, numa actualidade cada vez mais próxima ao futuro tecnológico africano, remetendo-nos também a repensar em torno da vulnerabilidade e força da mulher moçambicana diante do alvoroço tradicional conjugal, numa era pós-guerra colonial em paralelo com a vida actual no mundo.
Sendo uma peça teatral com factores de carácter social peculiares, de certa forma, propõe ao público uma análise profunda sobre as culturas tradicionais em Moçambique, provocando inquietações, como esta, por exemplo: Será que com as práticas tradicionais tornamo-nos efectivamente livres ou escravos das nossas próprias contundências?
Fonte: O País