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Monday, November 17, 2025
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Património devolvido, memória reencontrada?

Resumo

Moçambique intensifica esforços para recuperar mais de oitocentos artefactos culturais levados para a Europa durante o período colonial. O Ministério da Cultura e Turismo estima que esculturas, instrumentos, máscaras e peças cerimoniais estejam dispersos em museus estrangeiros. Esta iniciativa levanta questões sobre a restituição do património africano e a memória histórica. A devolução destes artefactos é vista como um ato de justiça cultural, reconhecendo que foram retirados sem consentimento durante a colonização. No entanto, enfrenta desafios legais e logísticos, incluindo a necessidade de provar a origem das peças e garantir a sua conservação. Moçambique carece de estruturas adequadas para acolher estas coleções, sendo crucial um plano de preservação e valorização. Além disso, a devolução deve ser acompanhada por políticas educativas que aproximem os artefactos do público, especialmente dos jovens, para promover a compreensão e continuidade das tradições moçambicanas.

Por: Gelva Aníbal

Nos últimos meses, Moçambique intensificou as iniciativas para identificar e reclamar centenas de artefactos culturais levados para a Europa durante o período colonial. O Ministério da Cultura e Turismo estima que mais de oitocentos objectos, entre esculturas, instrumentos, máscaras e peças cerimoniais, estejam dispersos em museus estrangeiros. Esta movimentação coloca o país no centro de um debate mais amplo, o da restituição do património africano e do significado da memória histórica num mundo ainda marcado por desigualdades simbólicas.

A recuperação destes artefactos não é apenas um gesto diplomático ou uma questão estética. Trata-se de um acto de justiça cultural. Durante a colonização, muitos destes objectos foram retirados de comunidades locais sem consentimento, em contextos de violência, guerra ou exploração. Hoje, a devolução dessas peças é também o reconhecimento de que há uma parte da história de Moçambique que permanece contada  fora do país e que precisa ser reapropriada pelos próprios moçambicanos.

A restituição de património enfrenta entraves legais e logísticos: provar a origem das peças, negociar com museus europeus e garantir condições adequadas de conservação no país. Moçambique ainda carece de museus com estrutura moderna e recursos técnicos para acolher colecções de grande valor histórico. Por isso, a devolução deve vir acompanhada de um plano sólido de preservação e valorização, sob pena de os bens recuperados voltarem a ser esquecidos, agora dentro das nossas próprias fronteiras.

Há também uma dimensão educativa que não pode ser ignorada. A devolução de artefactos só fará sentido pleno se for acompanhada de políticas culturais que aproximem esses símbolos do público, especialmente dos jovens. A escola, o museu e a comunidade devem dialogar. É preciso que os estudantes reconheçam nas peças devolvidas não apenas o passado, mas também a continuidade das tradições, saberes e expressões que definem o que é ser moçambicano no presente.

Restituir o património não significa fechar-se ao mundo nem transformar os museus em templos do ressentimento. O objectivo é fazer dessa recuperação um ponto de partida para novas criações, para a valorização das artes contemporâneas e para o fortalecimento das indústrias culturais locais. Uma memória viva não é aquela que se conserva intocada, mas a que se reinventa.

O processo de devolução também obriga os antigos colonizadores a confrontarem a sua própria história. Quando países europeus aceitam discutir a restituição, reconhecem implicitamente que houve pilhagem e desequilíbrio de poder. Para Moçambique, esse diálogo é uma oportunidade de afirmação diplomática, mas também de responsabilidade, receber de volta o património implica cuidar dele, estudá-lo e dar-lhe um novo significado no contexto actual.

A restituição cultural é, portanto, um acto político e simbólico ao mesmo tempo. Não se trata apenas de trazer objectos, mas de reconstruir pontes entre o passado e o futuro. Cada máscara devolvida, cada escultura reencontrada, é um fragmento da nossa identidade que regressa a casa, e um convite a reescrever a história a partir das nossas próprias vozes.

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