Reitor da UEM defende que nota de admissão não pode ser usada para avaliar qualidade do estudante 

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É cada vez mais frequente ver candidatos a ingressarem no ensino superior em Moçambique com médias abaixo de 10 valores, classificação que no sistema nacional é considerada negativa. A situação tem alimentado um intenso debate público sobre se os critérios de admissão às universidades devem ou não ser repensados. Para o reitor da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Manuel Guilherme Júnior, a discussão não pode resumir-se às notas de acesso, mas sim ao problema mais profundo da qualidade do ensino oferecido ao longo de toda a formação académica dos estudantes.

O académico, que falava em Inhambane, momentos após presidir a cerimónia de graduação de mais de uma centena de licenciados em diferentes cursos ligados à agricultura, na Escola Superior de Desenvolvimento Rural da UEM, foi claro ao defender que a nota de admissão não pode, por si só, ser usada como instrumento de avaliação da qualidade do estudante universitário. Segundo disse, é fundamental atacar as causas estruturais que estão na origem das notas baixas, começando pelo fortalecimento do ensino primário.

Guilherme Júnior começou por recordar que a legislação nacional prevê que todos os que terminam o ensino secundário, em princípio, têm condições para ingressar no ensino superior. “Os nossos instrumentos que regulam a formação superior estabelecem que, em princípio, todos aqueles que concluem o ensino secundário deviam ter acesso às universidades. Isto significa que, teoricamente, estão preparados para essa etapa”, sublinhou.

No entanto, o reitor explicou que a realidade é diferente devido ao número limitado de vagas disponíveis. Usou como exemplo a Universidade Eduardo Mondlane, que todos os anos recebe acima de 25 mil candidatos para pouco mais de 5 mil vagas. “Perante esta situação, o exame de admissão surge como critério de seleção. Não significa que os que não entram não têm capacidade, mas apenas que não ficaram entre os melhores classificados no processo”, afirmou.

Ainda sobre este ponto, o dirigente académico fez uma distinção importante: a nota obtida no exame de admissão mede apenas a posição relativa de um estudante em relação aos demais, mas não a sua qualidade intrínseca como futuro universitário. “Se nós estamos a selecionar aqueles que consideramos ter melhores condições e deixamos de lado outros que, em princípio, também poderiam entrar, não significa que estes não estejam preparados. A nota não define a qualidade da sua preparação, apenas a sua superioridade em relação aos restantes. Portanto, penso que o debate sobre as notas de admissão está mal colocado”, defendeu.

O reitor foi ainda mais longe, sustentando que a discussão em torno das médias de entrada deve ser substituída por um debate mais sério sobre a qualidade do ensino no país. “O que precisamos é melhorar a qualidade de ensino desde o nível primário. Se o estudante tiver bases sólidas desde cedo, mais tarde não estaremos a discutir notas de admissão, porque elas seriam apenas um detalhe. A questão essencial é garantir que a formação, desde os primeiros anos de escolaridade, ofereça condições para que qualquer jovem esteja de facto preparado para o ensino superior”, afirmou.

Numa explicação mais detalhada, Guilherme Júnior mostrou como, na prática, a nota de admissão acaba por perder peso quando se observa o funcionamento do sistema. “Se um estudante não consegue entrar na Universidade Eduardo Mondlane ou noutra instituição pública por causa da nota, ele pode procurar uma universidade privada, onde muitas vezes não é exigido exame de admissão. Ou seja, a mesma pessoa que foi considerada inapta num concurso público consegue, no mesmo momento, matricular-se numa instituição privada e prosseguir os estudos. Isso demonstra que o critério não mede qualidade, mas apenas serve como mecanismo de seleção num universo de vagas reduzido”, disse.

O dirigente académico considerou ainda que este tipo de contradições tem prejudicado o debate público sobre o tema, insistindo que a nota de admissão deve ser entendida como um filtro administrativo e não como reflexo do potencial académico dos estudantes. “É preciso que fique claro: a nota de admissão não define a qualidade do estudante. O que define a sua qualidade é o percurso que ele fez ao longo da vida académica, desde a escola primária até ao fim do secundário. É lá onde devemos colocar o foco e investir para que o país tenha jovens verdadeiramente preparados”, frisou.

Ao dirigir-se aos novos licenciados da Escola Superior de Desenvolvimento Rural, Guilherme Júnior destacou ainda a importância dos cursos ligados à agricultura, lembrando que este setor continua a ser estratégico para o desenvolvimento económico e social de Moçambique. Sublinhou que os graduados têm agora a responsabilidade de usar os conhecimentos adquiridos para responder a alguns dos maiores desafios que o país enfrenta, desde a insegurança alimentar às mudanças climáticas.

“Vocês têm em mãos uma missão que vai muito além de uma carreira profissional. Trata-se de contribuir para o futuro do setor agrícola e, por consequência, para o futuro de Moçambique”, afirmou, num tom que arrancou aplausos da plateia.

No final, o reitor voltou a insistir que o país precisa de repensar a qualidade da sua educação, sobretudo nos níveis mais baixos, de modo a assegurar que, quando os jovens chegam às portas da universidade, o debate não esteja centrado em notas de admissão, mas sim no verdadeiro potencial dos estudantes para se tornarem profissionais competentes.

“Se tivermos uma base sólida desde cedo, não será a nota de admissão a definir o futuro dos nossos jovens, mas sim a sua dedicação, o seu talento e a sua capacidade de responder às exigências do país”, concluiu Guilherme Júnior.

Fonte: O País

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