Num tempo em que o mundo se confronta com os efeitos cada vez mais tangíveis das alterações climáticas, seria ingénuo — ou irresponsável — relegar o risco climático à esfera meramente ambiental. A comunidade internacional, liderada por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e redes como o NGFS (Network for Greening the Financial System), começa, com maior urgência, a reconhecer o risco climático como risco financeiro sistémico. E esse reconhecimento, ainda que considerado tardio, tem implicações profundas para a arquitectura do sistema financeiro global.
A nova realidade impõe um duplo imperativo: repensar os modelos tradicionais de avaliação de risco e adaptar as políticas de financiamento, investimento e supervisão à era das convulsões climáticas. As instituições financeiras — bancos, seguradoras, gestores de activos — não podem continuar a actuar como se o risco climático fosse uma variável externa, contingente e incerta. Pelo contrário, trata-se hoje de uma variável central, transversal e estrutural que afecta directamente o valor dos activos, a solvabilidade das instituições, a estabilidade dos mercados e a confiança dos investidores.
O FMI tem sido explícito: o risco climático manifesta-se através de dois canais principais — o risco físico, decorrente de fenómenos extremos como ciclones, inundações e secas prolongadas; e o risco de transição, associado às mudanças de política, tecnologia e preferências dos consumidores na transição para uma economia de baixo carbono. Ambos os riscos impactam negativamente o crédito, os activos e a robustez das carteiras financeiras, podendo precipitar choques sistémicos em sectores inteiros, como já sucedeu com a falência da Pacific Gas and Electric, nos Estados Unidos — considerada a primeira “falência climática”.
Contudo, os desafios não se limitam às grandes economias industrializadas. Para países estruturalmente vulneráveis como Moçambique, a questão é ainda mais premente — e existencial. Aqui, o risco climático não é um conceito de futurologia, mas uma realidade que se impõe com brutalidade cíclica: ciclones devastadores, cheias repentinas, secas persistentes, destruição de infra-estruturas, perda de colheitas e deslocações populacionais. Todos estes fenómenos têm repercussões directas nos balanços dos bancos, na sustentabilidade dos projectos financiados, na capacidade de pagamento das famílias, e na própria estabilidade macroeconómica.
Neste contexto, o alerta da economista e consultora internacional Sofia Santos, durante a sua recente visita a Maputo, é de uma lucidez incontornável: o risco climático já não pode ser tratado como risco “ambiental” — é risco financeiro, com impacto directo na saúde e viabilidade do sistema financeiro. Ignorá-lo é financiar às cegas. Integrá-lo é preparar-se para um mundo onde a resiliência climática será um critério tão determinante quanto a rendibilidade esperada.
Mais do que uma recomendação técnica, trata-se de um imperativo estratégico. Os bancos e seguradoras moçambicanos têm de rever os seus modelos de análise de risco, os critérios de concessão de crédito, as exigências de garantias e os produtos que colocam no mercado. A sustentabilidade não pode continuar a ser tratada como um apêndice filantrópico. Deve passar a ser o coração da estratégia de negócio, guiada por critérios ESG (ambientais, sociais e de governação) incorporados de forma transversal e efectiva, e não apenas como obrigação de reporte.
Simultaneamente, urge uma mudança de cultura regulatória. Desde 2019, os reguladores financeiros em diversas jurisdições têm vindo a emitir orientações para a gestão do risco climático. Em muitos casos, ainda são voluntárias. Mas a tendência global aponta para a inevitável obrigatoriedade. Moçambique deve preparar-se já, aproveitando o momento para criar capacidades técnicas, estabelecer normativos adaptados à realidade nacional, e sobretudo, posicionar-se como espaço de inovação climática, e não de reacção tardia.
O potencial é real. Com apoio técnico e financeiro internacional, o país pode liderar no desenho de soluções financeiras verdes, inclusivas e resilientes — desde seguros agrícolas para pequenos produtores até linhas de financiamento para infra-estruturas resilientes às intempéries. Mas para isso, é preciso ambição institucional, vontade política e coragem empresarial.
O risco climático é, afinal, um risco de desenvolvimento. E a sua correcta gestão será, cada vez mais, o critério último que distingue economias preparadas daquelas que serão sucessivamente empurradas para a fragilidade e a dependência. Moçambique, com tudo o que tem em jogo, não pode ficar do lado errado desta escolha.
O tempo de actuar é agora. O sistema financeiro pode — e deve — ser parte da solução.
Fonte: O Económico