Desde que chegou ao FC Porto, no último verão, Samu optou por usar o apelido Aghehowa nas camisolas de jogo. É uma homenagem à mãe, Edith Aghehowa, «a mulher da vida« do avançado espanhol que nasceu há 20 anos em Melilha, uma cidade administrada por Espanha localizada no Norte de África.
Edith procurava uma vida melhor, como milhões de refugiados, e por isso partiu da Nigéria. No percurso até Espanha, engravidou de Samu em Marrocos e o jogador nasceu em Melilha.
«Demorei dois anos entre o meu país e Marrocos», conta Edith Aghehowa ao Maisfutebol, junto à Basílica de la Macarena, em Sevilha, cidade onde vive com a filha mais nova. Chama-se Precious e é, claro, irmã de Samu.
Quando lhe perguntamos sobre as origens, Edith solta um «Ai, ai, ai, foi uma altura difícil».
E detalha: «Vivemos dois anos em Melilha, num centro de acolhimento de refugiados, depois viemos para Sevilha. Graças a Deus, no centro de imigrantes, eu consegui um visto de trabalho, o Samu conseguiu um visto de residência».
Samu considera-se um andaluz, um sevilhano, até porque as memórias que tem são do bairro de La Macarena, ou de San Lazaro, uma zona onde habitam sobretudo emigrantes e membros da comunidade cigana. É a mostrar-nos o prédio onde moraram durante anos que Edith confessa: «Às vezes, não havia dinheiro para pagar a renda, entendes ou não? Havia dias em que só me apetecia largar tudo e fugir.»
A vida era muito difícil naquela altura. Edith trabalhou como doméstica, no apoio ao domícilio de idosos, numa loja, fez de tudo um pouco durante muitos anos. Horas e horas por dia. Depois de se ter divorciado do pai de Samu, criou os filhos praticamente sozinha.
A relação do jogador com o pai, segundo apurámos, praticamente não existe.
«Foram tempos de sofrimento, de esforços, que, graças a Deus, foram recompensados», confessa Samu em todas as entrevistas em que recorda a infância.
Aos seis anos, Samu começou a jogar numa escola de futebol em Sevilha. A mãe não tinha dinheiro para a inscrição, mas uma prima emprestou-lhe 20 euros e lá conseguiram juntar os 60 euros necessários.
«Eu queria que o Samuel estudasse, que fosse médico ou algo do género, mas ele jogava futebol o dia todo, partia tudo em casa. Não queria fazer mais nada», lembra Edith.
Dos tempos de Samu a jogar nas camadas jovens há pouquíssimas fotografias ou vídeos. Muitas vezes, porque estava a trabalhar, a mãe não conseguia estar nos treinos ou nos jogos, e também não havia dinheiro para camâras ou telemóveis de última geração.
Ao passearmos pela zona de San Lazaro, a mãe de Samu aponta-nos para um parque infantil, daqueles clássicos com escorregas e baloiços, e atira: «Passava os dias ali a jogar futebol com os amigos até às duas ou três da manhã e ainda hoje, sempre que cá vem, vai para ali com os amigos».
Os melhores amigos ainda são os mesmos da altura, alguns ainda moram no bairro.
Samu ainda passou nas camadas jovens do Sevilha FC, já muito alto e muito magro, mas não encantou e acabou por sair. Depois, apareceu a AD Nervión, um clube de bairro, sem equipa senior, mas conhecido na região pelo trabalho que faz na formação de jovens.
Sem passar por nenhum dos melhores clubes de Espanha, Samu conseguiu chegar às seleções jovens de Espanha, ser capitão e estrear-se pela seleção principal.
Na sala onde trabalham os diretores do clube há um quadro gigante com a camisola de Samu, com o número 32, dos tempos em que jogava no Granada. No canto inferior desse quadro, está um dos cartões de Samu como jogador da AD Nervión, referente à época 2020/2021, a última em que esteve clube, no qual jogou entre os oito e os 17 anos.
É nessa sala que Cristo Toro, atual diretor desportivo, nos lembra um dos dias em que Samu, já jogador de Liga Espanhola, visitou as instalações do clube e levou os jovens ao delírio.
Algumas vezes, ainda uma criança, Samu ia desde o bairro onde morava até ao estádio da AD Nervión a pé para os treinos. Demorava, à noite, cerca de uma hora.
Maria Sánchez, de 74 anos, presidente do clube há 36, andava sempre acelerada pelos corredores do estádio, a cumprimentar os jovens, os pais, os treinadores, quando se cruzou com o Maisfutebol.
Assim que lhe falámos do Samu, vieram-lhe as lágrimas aos olhos e soltou um «Ah, mi Samu».
«Queria muito que ele triunfasse, por ele e pela mãe, bem precisavam. É que precisavam mesmo muito”, atira Mari, como carinhosamente Samu ainda a trata.
Maria fez um pacto com Samu.
Havia dias em que Maria também dava dinheiro a Samu para comer um hambúrguer com os companheiros de equipa depois dos jogos.
«Ele não queria aceitar, mas eu metia-lhe o dinheiro no bolso», lembra.
Cristo Toro, diretor desportivo da AD Nervión, destaca um jovem «humilde e tímido»: «Ele não queria que os temas pessoais e familiares fossem conhecidos. Era também muito ambicioso e sempre teve na cabeça que queria ajudar a família, e a melhor forma de o fazer era através do futebol.»
Samu, já na naquela altura, com 12, 13 anos e com quase 1,80 metros, era destemido: «Houve um jogo em Córdoba, ganhámos 1-0 com um golo do Samuel, um resultado que era muito importante para nós, e tivemos de sair escoltados do campo porque ele não via medo em nada. Quando se chateava com alguma coisa, nunca dava um passo atrás.»
Samu jogou na AD Nervión até aos 17 anos, depois mudou-se para o Granada. Foi contratado para os escalões de formação, mas rapidamente chegou à equipa secundária, que jogava na quarta divisão.
«Nos primeiros dias em que o vi, notava-se que tinha condições físicas incríveis, que não eram normais, mas ainda era um pouco descordenado, tinhas carências a nível técnico, a nível tático, até porque vinha de um clube humilde, de bairro, mas como tinha uma capacidade de trabalho incrível foi melhorando aos poucos», diz-nos Juan Antonio Milla, antigo treinador de Samu no Granada B.
O menino Samu, na altura ainda juvenil, foi decisivo na subida de divisão da equipa sénior para o terceiro escalão.
«A partir do Natal, começou a meter golos atrás de golos e subimos, em grande parte, graças ao Samu. Ele marcou 18 golos», conta Juanma Lendínez, um dos melhores amigos que Samu fez no futebol.
Em Granada, começaram por viver numa residência do clube e depois mudaram-se juntos para um apartamento. Juanma servia sempre de motorista de Samu para os treinos e para as concentrações.
«Na primeira vez em que o vi, ele não me falou. Era muito calado, andava de cabeça baixa, nem sabia se ele falava castelhano, depois é que ouvi o seu sotaque de Sevilha», lembra o médio que continua a jogar no Granada.
«Ele era muito exigente consigo próprio, havia treinos em que desperdiçava golos ou falhava muito, e quando chegava à nossa casa nem a mim me falava, como se lhe tivesse feito alguma coisa. Mas era também muito engraçado, dormia e comia muito», acrescenta Juanma.
Mesmo depois de Samu ter deixado Granada, mantiveram o contacto e jantam sempre que podem. Na conversa que tivemos junto ao estádio do Granada, Juanma lembrou o amigo «muito religioso» que «anda sempre com uma Bíblia»: »É algo que lhe traz muita força, festeja os golos sempre com um agradecimento a Deus e sempre teve esses rituais ao entrar em campo», adianta.
Juan Antonio Milla, um dos treinadores mais marcantes da carreira de Samu, também mantém uma relação de proximidade com o avançado: «No outro dia mandou uma camisola do FC Porto para o meu filho. Ele é uma pessoa que precisa de sentir o carinho das pessoas e está encontrar isso no Porto. Acho que é uma das razões para ter começado a época tão bem.»
O resto da história de Samu no futebol já se conhece. Fez apenas um jogo na equipa A do Granada, foi contratado pelo Atlético Madrid, mas não chegou a jogar nos colchoneros, nem na época passada, em que foi emprestado ao Alavés, nem na na atual.
Aliás, o último verão foi muito agitado para Samu.
«Só Deus sabe o que o Samu passou neste verão. Primeiro foi o Atlético Madrid, depois o Chelsea», lembra Edith, a mãe do avançado. A família chegou a viajar para Londres, o jogador fez os exames médicos, mas o negócio não se concretizou porque o Chelsea terá alegado uma lesão do avançado.
Depois, apareceu o FC Porto.
Samu já conseguiu o que mais queria na vida. A mãe deixou de trabalhar o dia todo e o jogador, no final do ano passado, comprou uma casa maior para a famíilia numa outra zona de Sevilha. É lá que Edith vive com Precious, a irmã de Samu, apesar de estar várias vezes com o avançado no Porto.
Depois da entrevista, Edith foi beber um chá com as amigas, mas antes de nos deixar, lembrou: «Todos os dias, quando me levanto, agradeço a Deus a força que o Samu nos deu. Ele sempre me que disse que me queria dar uma vida melhor».
E conseguiu.
Fonte: CNN Portugal