Por: Gelva Aníbal
Maputo, capital do país e vitrine da Nação, vive um colapso silencioso e profundamente sujo. Apesar dos constantes discursos oficiais sobre modernização e progresso urbano, a realidade se impõe sem disfarces: A cidade está mergulhada na degradação e carece de soluções práticas para um dos problemas mais elementares de qualquer sociedade civilizada, a gestão adequada do lixo.
O que antes poderia ser considerado excepção tornou-se norma. O lixo integra agora a paisagem urbana, e o mais revoltante é que os munícipes são cobrados mensalmente uma taxa de recolha que não encontra correspondência visível na prestação do serviço. Paga-se, mas não se vê retorno, nem em limpeza, nem em dignidade pública.
Desde as zonas periféricas aos bairros tidos como “nobres”, a presença de lixeiras improvisadas é constante. Contentores de resíduos transbordam, sacos plásticos acumulam-se nas bermas das estradas, moscas e ratos proliferam entre águas negras a céu aberto, um cenário insalubre que se mistura à rotina diária da população. Os camiões de recolha, quando aparecem, operam de forma irregular. E em diversas áreas, o lixo simplesmente permanece, sem prazo para remoção.
Essa crise não é apenas sanitária, é política, estrutural e simbólica. Reflecte a falência de um sistema de saneamento urbano incapaz de responder ao mínimo exigido pelos cidadãos. E ao tornar o lixo invisível às autoridades e cada vez mais presente no cotidiano dos habitantes, Maputo revela um Estado que falha no essencial.
Em todos os mercados tanto formais como informais, o cenário é alarmante. Diariamente, centenas de pessoas circulam entre bancas de legumes, frutas, peixe e carne expostas ao ar livre, rodeadas por enxames de moscas, montes de lixo e valas entupidas por resíduos. A insalubridade nessas zonas comerciais não é circunstancial, é estrutural. Os produtos para consumo convivem lado a lado com águas estagnadas, plásticos queimados e matéria orgânica em decomposição, criando um ambiente propício à propagação de doenças como diarreias, infecções intestinais e problemas respiratórios, cujos surtos têm crescido de forma inquietante.
Mais grave ainda é a normalização deste estado de abandono. Autoridades e cidadãos parecem ter se habituado à degradação, aceitando viver entre o lixo sem exigir mudança. As campanhas pontuais de limpeza não resolvem, pois, o lixo regressa. Não por falta de vontade da população, mas devido à ausência de um sistema de saneamento funcional, fiscalizado e coerente.
Maputo cobra há décadas pela recolha de lixo. No entanto, os resultados permanecem invisíveis. As infra-estruturas de saneamento estão obsoletas, os planos de recolha mostram-se ineficazes e a fiscalização é praticamente inexistente. Em muitos bairros, o lixo permanece durante dias, semanas ou até meses, sendo muitas vezes queimado pelos próprios moradores num acto de desespero, uma prática que contribui para a poluição do ar e agrava ainda mais as condições de vida.
A crise do lixo na capital não é fruto do acaso. É resultado directo de má gestão, falta de visão e negligência pública. Os responsáveis pela administração do saneamento urbano, desde os gestores municipais até os técnicos operacionais, devem prestar contas. A escassez de recursos não pode servir de escudo permanente. O mínimo esperado é um plano concreto, com metas claras, fiscalização eficaz e resultados tangíveis.
É também indispensável repensar o comportamento cívico da população. O cidadão que descarta lixo na via pública, que transforma o mercado em depósito de resíduos ou que espera que “alguém limpe depois”, também contribui para perpetuar o problema. A cidade que se deseja começa com uma consciência colectiva: cada um tem um papel na construção de um espaço limpo, digno e saudável.
Discursa-se frequentemente sobre tornar Maputo uma cidade moderna e atractiva. Mas enquanto mercados forem sinónimo de podridão, bairros acumularem lixeiras improvisadas, e a cobrança por serviços inexistentes persistir, Maputo continuará a reflectir um Estado que falha no mais essencial. O saneamento básico não é luxo, é um imperativo. E uma cidade que não cuida do seu lixo, não cuida do seu povo.