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A operação da multinacional australiana Syrah Resources em Balama, no norte de Moçambique, está a tornar-se um caso paradigmático sobre os desafios do investimento estrangeiro em contextos socialmente frágeis e politicamente voláteis. Após seis meses de paralisação, a empresa anunciou a retoma das actividades, sustentada por um acordo de compensação com as comunidades locais. Contudo, persistem dúvidas sobre a sustentabilidade da paz social e sobre o modelo de exploração de recursos em regiões sensíveis como Cabo Delgado.
A mina de grafite de Balama, uma das maiores do mundo em termos de reservas, representa para Moçambique uma oportunidade estratégica de integração nas cadeias de valor globais da transição energética. A empresa australiana Syrah Resources, através da sua subsidiária Twigg Exploration and Mining, celebrou em anos anteriores contratos com gigantes da mobilidade eléctrica como a Tesla, fornecendo grafite para baterias de iões de lítio — sector em franca expansão.
Porém, essa promessa de crescimento foi abalada por reivindicações sociais locais, conflitos laborais internos e um ambiente político tenso, especialmente sensível em Cabo Delgado, província marcada nos últimos anos por fenómenos de deslocação, militarização e contestação comunitária.
Reassentamento Malconduzido E Protestos Comunitários
Em Setembro de 2024, a empresa expulsou camponeses de terras utilizadas para cultivo, gerando acusações de falta de transparência e incumprimento dos princípios de consentimento prévio, livre e informado. Em Dezembro, a contestação social agravou-se, tendo a empresa declarado “força maior” e interrompido as suas actividades. O resultado foi um colapso da produção durante três trimestres consecutivos, queda de 28% nas acções da empresa e o início de incumprimentos em obrigações contratuais com financiadores internacionais, incluindo o Governo dos Estados Unidos.
A medida de força maior colocou em causa a capacidade de resiliência da operação e evidenciou os riscos do desajuste entre ambição empresarial e compromisso social efectivo. Protestos ilegais bloquearam o acesso à mina, motivados por questões de reassentamento, mas também por uma crescente frustração política e económica ligada ao contexto eleitoral moçambicano.
Conflitos Laborais E Ambiente Interno Frágil
Além das tensões comunitárias, a Syrah Resources enfrentou reivindicações da força laboral, com registo de greves e despedimentos de trabalhadores que exigiam aumentos salariais e o fim da discriminação. A crise laboral acentuou a percepção de uma cultura empresarial desconectada da realidade local, comprometendo a sua reputação e a estabilidade das operações.
Retoma Parcial E Gestão De Danos
A reactivação parcial da produção, anunciada para 5 de Maio de 2025, resultou de um acordo formal com representantes das comunidades e autoridades locais, mediado pelo Governo. A empresa comprometeu-se a indemnizar os camponeses em 1,5 milhões de dólares, embora sem esclarecer publicamente os critérios de elegibilidade e compensação.
Apesar da normalização formal, pequenos grupos continuam a bloquear acessos, alegadamente sem “motivos legítimos”, segundo a empresa. Tal linguagem, porém, contrasta com a necessidade de diálogo inclusivo e reconstrução da confiança junto das comunidades.
Importância Geoestratégica E Pressões Internacionais
A mina de Balama posiciona Moçambique no centro da disputa global por minerais críticos, como o grafite natural, cuja procura é exponenciada pela electrificação dos transportes e pela transição energética. Com as potências ocidentais a tentar reduzir a dependência da China, a valorização de projectos alternativos como Balama é estratégica.
Contudo, os riscos associados à instabilidade social, à fragilidade institucional e à contestação comunitária colocam pressões crescentes sobre os financiadores, que começam a condicionar o apoio a parâmetros mais rigorosos de responsabilidade social, ambiental e de governação (ESG).
Desafios E Perspectivas Futuras
A retoma da produção abre um novo capítulo, mas não dissipa as interrogações. A empresa continua exposta a riscos reputacionais, laborais e operacionais. Para consolidar a sua posição, será necessário um reposicionamento profundo da sua abordagem ao desenvolvimento local, incluindo:
Mais do que uma simples reactivação produtiva, a Syrah Resources enfrenta agora o desafio de se afirmar como modelo de mineração inclusiva, sustentável e resiliente.
Fonte: O Económico