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Ao aprovar um corte de US$ 8 mil milhões em ajuda externa, inserido num pacote mais amplo de US$ 9 mil milhões, a administração Trump dá um passo decisivo para redefinir a posição dos Estados Unidos no sistema internacional de cooperação, pondo em causa décadas de liderança em programas de saúde, educação e resposta humanitária em países em desenvolvimento.
O Corte: Detalhes e Justificação
Na madrugada de sexta-feira, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou, por 216 votos contra 213, o chamado pacote DOGE (Department of Government Efficiency), que prevê cortes de US$ 9 mil milhões no orçamento federal.
Deste montante, US$ 8 mil milhões são retirados de programas de assistência externa, maioritariamente operados pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), que tem sido o principal instrumento da diplomacia de desenvolvimento dos EUA.
Os restantes US$ 1,1 mil milhões são provenientes da Corporation for Public Broadcasting, que apoia meios como a NPR e a PBS. A medida é vista como um reposicionamento estratégico que visa “enxugar o Estado e cortar em programas que não servem directamente os americanos”, segundo declarou o Presidente Donald Trump.
Efeitos Imediatos: Países em Desenvolvimento em Risco
O corte massivo na ajuda externa coloca em risco centenas de programas activos nos sectores da saúde, educação, segurança alimentar, resposta a desastres e fortalecimento institucional, com impacto imediato sobretudo na África Subsariana, Ásia do Sul e América Central.
Agências humanitárias alertam que projectos de combate à malária, VIH/SIDA e desnutrição infantil poderão ser interrompidos ou reduzidos. Embora os cortes não incluam, nesta fase, o programa PEPFAR (dedicado à luta contra o VIH/SIDA), o sinal é claro: os compromissos de Washington com a cooperação internacional estão a ser rapidamente reavaliados.
Declínio da Influência Estratégica
A aprovação do pacote DOGE representa mais do que uma mera medida de contenção orçamental: marca o início de um reposicionamento geopolítico voluntário. Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA lideraram os fluxos globais de assistência ao desenvolvimento — não apenas por altruísmo, mas por cálculo estratégico.
Ao enfraquecer a USAID e reduzir significativamente os recursos destinados a países parceiros, Washington abdica de um dos seus principais instrumentos de influência suave e de estabilidade global.
Com o recuo norte-americano, outros actores procuram ocupar o espaço deixado vago. A União Europeia reafirmou os seus compromissos no financiamento ao desenvolvimento, enquanto a China reforça os seus investimentos em infra-estruturas e saúde pública no Sul Global.
Contudo, analistas alertam que nem todos os países ou regiões terão substitutos imediatos. “Não se trata apenas de substituir o montante, mas de preservar décadas de construção institucional e relações de confiança”, defende um relatório do Overseas Development Institute.
O corte de US$ 8 mil milhões à ajuda internacional, no âmbito de um pacote mais amplo de US$ 9 mil milhões, é um marco simbólico e prático da nova orientação dos EUA: menos cooperação, mais isolamento.
Este reposicionamento fragiliza o sistema de ajuda internacional, reduz as capacidades de resposta a crises humanitárias e sanitárias, e abre espaço para uma reconfiguração do equilíbrio global — com consequências profundas para os países mais vulneráveis.
Fonte: O Económico