Início Economia União Europeia Ganha Tempo, Mas Enfrenta Crescente Incerteza Económica nas Negociações com...

União Europeia Ganha Tempo, Mas Enfrenta Crescente Incerteza Económica nas Negociações com os EUA

0

Questões-Chave 

A decisão do Presidente dos EUA, Donald Trump, de adiar para Julho a imposição de tarifas de 50% sobre as importações provenientes da União Europeia trouxe apenas um alívio temporário aos mercados financeiros, mas não dissipou a crescente incerteza que assola o tecido económico europeu. Num ambiente de tensões comerciais persistentes, volatilidade política e fragilidade industrial, a UE vê-se forçada a gerir, em simultâneo, negociações instáveis e um ambiente interno de prudência empresarial.

A mais recente reviravolta nas negociações comerciais transatlânticas deu-se após uma chamada entre Trump e Ursula von der Leyen, resultando na extensão do prazo para a aplicação de tarifas de 50% de 1 de Junho para 9 de Julho. A retórica da “boa conversa” e do “novo ímpeto” contrastou fortemente com a posição do mesmo Trump dias antes, quando descreveu a UE como “muito difícil de negociar” e ameaçou com tarifas punitivas generalizadas.

Os mercados reagiram positivamente, com o euro a alcançar o seu ponto mais alto desde Abril e os índices bolsistas a recuperarem das perdas anteriores. Contudo, o sector produtivo europeu não acompanhou o optimismo. Empresas de sectores estratégicos — automóvel, componentes industriais, farmacêutico e semicondutores — continuam sem informação clara sobre se os produtos que exportam estarão ou não incluídos nas novas tarifas.

Como salientou Matthias Lapp, CEO da alemã LAPP Group, “a confiança na estabilidade das relações transatlânticas está profundamente abalada”. A empresa, que actua em cablagem e automação, vê-se agora forçada a reformular planos de produção e logística para evitar exposição excessiva ao mercado norte-americano.

Gianmarco Giorda, da ANFIA — associação italiana de fabricantes de componentes para o sector automóvel — considera que as tarifas norte-americanas são “mais um factor de incerteza num mercado já frágil”, sinalizando que as empresas estão a adiar investimentos e reduzir encomendas.

Impactos sectoriais e riscos assimétricos

A aplicação de tarifas de 50% representaria um salto tarifário sem precedentes, com impacto imediato sobre sectores como a indústria automóvel, aço, alumínio, têxteis e biotecnologia — sectores estes que já enfrentam tarifas de 10% a 25% impostas durante disputas anteriores.

A falta de clareza dos EUA sobre a abrangência dos produtos visados agrava a situação: não se sabe se os bens actualmente tarifados serão incluídos na nova taxa ou se estarão sujeitos a taxação cumulativa. Isto bloqueia qualquer planeamento de médio prazo por parte das empresas, tanto na produção como nas cadeias logísticas e de fornecimento.

O paradoxo reside no facto de que a UE propôs um acordo tipo “zero por zero” — que eliminaria as tarifas sobre bens industriais de ambas as partes — mas os EUA insistem num piso tarifário de 10% para os seus parceiros, exigindo ao mesmo tempo concessões desproporcionais e simbólicas, como acesso ampliado aos mercados agroalimentares europeus e regras favoráveis a empresas norte-americanas em contratos públicos.

Estas exigências colocam Bruxelas numa posição delicada: por um lado, deseja preservar a estabilidade macroeconómica e proteger as suas empresas; por outro, não quer ceder em áreas sensíveis que afectam directamente a coesão política da União, como a agricultura e a protecção dos padrões regulamentares europeus.

Fragilidade institucional e diplomacia económica

A UE enfrenta uma assimetria fundamental nas negociações. Enquanto o executivo norte-americano pode decidir e aplicar tarifas por decreto, a Comissão Europeia depende do consenso entre os 27 Estados-membros, exigindo articulação política e jurídica que retarda a resposta institucional. Este constrangimento torna a União mais vulnerável a choques externos unilaterais, como os verificados em Abril.

Além disso, a incerteza quanto ao rumo da política comercial dos EUA — marcada por decisões abruptas, linguagem populista e objectivos eleitorais de curto prazo — enfraquece a confiança global no multilateralismo económico e mina os esforços da UE de manter o sistema baseado em regras, assente na OMC e nas convenções internacionais.

O Ministro irlandês da Agricultura, Martin Heydon, sintetizou este dilema: “Somos um dos mais importantes parceiros comerciais dos EUA. Isso não significa aceitar todas as suas exigências; devemos negociar com base no benefício mútuo”.

Uma pausa tensa e frágil

O adiamento para 9 de Julho é uma oportunidade, mas também um risco latente. Caso as negociações fracassem, o impacto sobre a economia europeia poderá ser considerável, afectando exportações no valor de centenas de mil milhões de euros, perturbando cadeias de valor e penalizando especialmente PME exportadoras.

A UE prepara-se, entretanto, para responder com um pacote retaliatório no valor de 108 mil milhões de dólares, mas o foco permanece na via diplomática e na protecção do espaço económico europeu.

O que está em causa vai muito além de tarifas: trata-se da credibilidade do sistema económico global, da resiliência da indústria europeia e da capacidade da UE de afirmar-se enquanto actor económico autónomo num mundo multipolar e em reconfiguração.

Fonte: O Económico

SEM COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu nome aqui
Por favor digite seu comentário!

Exit mobile version