Por: Gentil Abel
A promessa de um Estado democrático e justo é, entre outros pilares, sustentada pela igualdade de oportunidades no acesso ao emprego e à formação. No entanto, em Moçambique, a prática recorrente da venda de vagas em instituições públicas representa uma distorção grave desse princípio. O fenómeno, embora amplamente comentado em círculos informais, ganha contornos mais preocupantes quando afeta instituições chave como a Polícia da República de Moçambique (PRM), universidades públicas, instituto de formação de professores e outras entidades publicas.
Em vez de se basearem em mérito, vocação ou desempenho, muitos processos de admissão são hoje permeáveis ao tráfico de influência e à corrupção directa. Jovens aspirantes à carreira policial, por exemplo, relatam frequentemente que a entrada na PRM exige o pagamento de valores que variam entre 15 mil e 30 mil meticais. Quando agentes da PRM entram pela porta da corrupção, há o risco de que levem consigo essa lógica para o exercício das suas funções: aceitação de subornos, abuso de poder e desrespeito pelos direitos humanos
O mesmo ocorre em algumas universidades públicas e nos institutos de formação de professores. Onde a admissão em determinados cursos especialmente os mais procurados parecem estar condicionados a contribuições extras exigidas por funcionários intermediários ou grupos organizados que operam no anonimato. Nas universidades, o impacto reflecte-se na qualidade dos graduados. Na formação de professores, compromete-se o futuro da educação primária e secundária.
Esta realidade fragiliza não apenas a qualidade da formação, mas também a integridade de toda uma geração de profissionais.
O mais alarmante é que a venda de vagas está a se tornar uma prática normalizada. Há um silêncio cúmplice alimentado pelo medo de represálias ou pela aceitação de que “nada vai mudar”. Muitos candidatos, cientes das exigências ilegais, sentem-se obrigados a ceder, convencidos de que denunciar a situação não trará resultados.
É necessário percebermos que, ao pagar para entrar no sector público, o cidadão está a abrir mão da sua integridade e a dar o primeiro passo rumo a uma carreira construída sobre alicerces frágeis. E mais tarde, o mesmo cidadão que hoje paga para conseguir uma vaga é o que amanhã se queixará da ineficiência dos serviços públicos, do mau atendimento no hospital, da falta de ética dos professores ou do abuso policial.
O mesmo cidadão que hoje paga para conseguir uma vaga é o que amanhã se queixará da ineficiência dos serviços públicos, do mau atendimento no hospital, da falta de ética dos professores ou do abuso policial. Há aqui uma incoerência moral profunda: queremos um país justo, mas participamos activamente na sua degradação
Então, normalizar o suborno é matar o mérito, porque cada vez que alguém paga para ser admitido, alguém mais competente e mais honesto perde o lugar. Não é apenas uma questão de justiça individual, é uma questão de desperdício nacional. O país está a ser construído por quem pagou para estar ali, e não por quem tem vocação, mérito ou formação adequada. E isso compromete o nosso futuro.
Desta feita, a responsabilidade por este cenário recai sobre vários níveis: dirigentes institucionais que se mantêm inertes, funcionários públicos que facilitam a corrupção, e um sistema judicial que, muitas vezes, não actua com a eficácia exigida. É urgente que se estabeleçam mecanismos de denuncias fiscalizados por órgãos independentes, para todos os processos de admissão no sector público.
E as denuncias feitas devem ser protegidas, os culpados punidos, e o mérito reinstaurado como critério central de acesso a qualquer cargo público. Além disso, é imperativo promover campanhas de consciencialização nas comunidades, para que os cidadãos deixem de ver a compra de vagas como um “mal menor” e passem a reconhecê-la como um atentado à justiça social e à dignidade nacional.