Na Vila de Massinga, em Inhambane, a vida pulsa ao ritmo frenético da Estrada Nacional Número Um (EN1), a principal via que liga o sul e o norte de Moçambique. Ao longo da berma, em pleno asfalto onde circulam diariamente centenas de viaturas pesadas, ligeiras e de transporte de passageiros, estendem-se bancas improvisadas com produtos que vão desde frutas e legumes frescos a roupas em segunda mão, peixe seco, carvão e até pequenos eletrodomésticos. Ali, a cada dia, centenas de vendedores tentam garantir o sustento das suas famílias, mesmo sob o constante risco de atropelamentos e outros perigos.
O cenário tornou-se tão habitual que já parece parte da paisagem urbana: veículos e comerciantes disputam o mesmo espaço, transformando a EN1 numa mistura caótica de estrada e mercado a céu aberto. A Polícia Municipal faz advertências frequentes, mas os vendedores continuam, empurrados pela necessidade de sobrevivência.
“O negócio não anda bem e, por isso, muitos de nós preferimos ficar aqui na estrada, mesmo sabendo do perigo. É aqui onde passa mais gente e conseguimos vender alguma coisa”, contou Elisa José, vendedora que há mais de cinco anos expõe os seus produtos na berma da EN1. Entre o sol escaldante e a poeira levantada pelos carros, Elisa ajeita a sua banca de tomates e cebolas, enquanto mantém os olhos atentos ao fluxo constante de viaturas.
A mesma realidade é partilhada por Ramalho Cossa, outro vendedor que encontra na estrada o espaço “mais rentável” para o comércio, apesar dos riscos. “Sabemos que não é seguro, mas se ficarmos no mercado, passamos dias sem vender nada. Aqui, pelo menos, sempre aparece um cliente”, afirma, admitindo que já foi várias vezes alertado pela Polícia Municipal para abandonar o local.
As autoridades locais não escondem a preocupação. A edilidade de Massinga reconhece que o comércio informal desordenado representa não só um risco para os vendedores, mas também para os automobilistas, que muitas vezes são obrigados a reduzir a velocidade de forma brusca para evitar acidentes. No entanto, o município defende que a solução definitiva não passa apenas por ações policiais ou pelo despejo dos vendedores, mas por uma mudança de mentalidade e comportamento.
Verónica Elias, vendedora que também exerce a atividade ao longo da estrada, confirma as advertências recebidas, mas mostra as dificuldades que enfrentam. “Dizem para sairmos, falam connosco, alertam que não podemos ficar na rua. Mas a verdade é que, se formos para o mercado, ninguém nos compra. Aqui, ao menos conseguimos levar algo para casa no fim do dia”, desabafa.
O edil da Vila de Massinga, Rodrigues Zunguze, defende que existem alternativas viáveis e suficientes para os vendedores, mas falta consciência sobre a importância de ocupar os espaços formais de comércio. “Massinga tem muito espaço para a prática de comércio. Temos o Mercado Sete de Setembro, o Mercado Novo, o Mercado Grossista e outros mercados de grande dimensão na vila. O problema não é falta de espaço, mas sim de sensibilização da nossa população. Precisamos que os vendedores reconheçam que esta atividade deve acontecer em locais próprios”, afirmou.
Para o governante, mais do que construir novas infraestruturas, o desafio é convencer a população a utilizá-las. “Não basta termos mercados. É preciso criar uma dinâmica que leve o produto para próximo da residência do cidadão. Podemos e devemos construir mercados nos bairros, para aproximar os vendedores e compradores, descongestionando a EN1 e devolvendo segurança a todos. O que está em causa é mudar mentalidades”, acrescentou.
A questão não é nova. Em 2020, a edilidade tentou retirar os vendedores que ocupavam as ruas de Massinga numa operação que resultou numa resistência violenta. O episódio terminou em confrontos entre comerciantes e a Polícia, deixando claro que a imposição sem diálogo dificilmente trará resultados duradouros.
A EN1, que deveria ser apenas uma via de circulação rodoviária, continua a ser palco de uma luta desigual entre a sobrevivência e a ordem urbana. Do lado dos vendedores, impera a necessidade de garantir o pão de cada dia. Do lado da edilidade, a preocupação com a segurança e a organização da vila. Pelo meio, permanece um impasse que já dura anos, sem soluções à vista.
O caso de Massinga reflete um dilema maior enfrentado por muitas cidades e vilas moçambicanas: o comércio informal, embora seja fonte de sustento para milhares de famílias, desafia diariamente a planificação urbana, a segurança rodoviária e a saúde pública. Enquanto não se encontrar um equilíbrio entre a necessidade imediata de sobrevivência e o cumprimento das regras de ordenamento, as ruas continuarão a ser ocupadas como mercados improvisados.
E em Massinga, na berma da EN1, a cada dia vendedores e viaturas continuam lado a lado, numa convivência forçada e perigosa, onde a linha entre o sustento e a tragédia é cada vez mais ténue.