Quando o nascimento vira uma provação
Na recta final da gestação, toda mulher carrega consigo o desejo de voltar para casa com o seu recém-nascido no colo, um sonho que deveria ser universalmente protegido. Contudo, em Maputo, esse momento sagrado tem se transformado em uma travessia de angústia. A experiência do parto, que deveria ser um acto de cuidado e dignidade, está se tornando um cenário de negligência, medo e incerteza. E o que deveria ser um direito garantido, o acesso à saúde pública, começa a depender da capacidade financeira da gestante.
A moeda do atendimento: o bolso como filtro de urgência
Nos hospitais públicos, instalou-se um sistema perverso em que a prestação de cuidados básicos é condicionada ao pagamento de valores ilícitos. “Quem não paga, não é atendido como deve ser”, uma regra não oficial, mas dolorosamente presente, que compromete vidas e sepulta esperanças. A corrupção silenciosa de alguns profissionais transforma o que deveria ser um abrigo em um campo minado de incerteza e humilhação.
Testemunhos abafados e lutos públicos
O lamento recente de um músico moçambicano, que perdeu seu filho por negligência médica durante o parto, rompeu o silêncio institucional e expôs uma ferida aberta. Mas esse desabafo não é caso isolado, é parte de uma série de relatos que circulam nas redes sociais, revelando histórias de mulheres que saem dos hospitais com os braços vazios, vítimas do descaso e da indiferença. A ausência de empatia entre as paredes hospitalares denuncia uma erosão alarmante dos valores que sustentam o serviço público.
“O cabrito come onde está amarrado”: uma lógica distorcida
A expressão popular, usada para justificar atitudes de sobrevivência diante de condições de trabalho precárias, tem servido como escudo para práticas antiéticas. Reconhecer que muitos profissionais enfrentam dificuldades não pode servir de licença para o desprezo pela vida alheia. Há quem exerça a medicina com dignidade, mas há também quem tenha se esquecido de que a dor do outro não é moeda de troca.
Quando o Estado se ausenta, a impunidade reina
A saúde pública, especialmente no momento do nascimento, revela a falência de um sistema que deveria proteger os mais vulneráveis. A mãe que implora socorro enquanto enfrenta o limiar entre a vida e a morte não deveria depender da boa vontade de quem a atende, deveria depender da garantia do seu direito. Quando a justiça silencia e o Estado se omite, a impunidade se torna política de Estado.
O chamado à mudança: formar corações antes das mãos
É urgente repensar não apenas a estrutura do sistema de saúde, mas também a formação ética e humana dos seus profissionais. Não se trata de romantizar a profissão médica, mas de lembrar que cuidar é um acto de humanidade. E que, um dia, o “cabrito amarrado” pode ser um de nós, com fome, com medo e à mercê da compaixão de outro.