Por M.P.Bonde
Caro Spinoza, os pingos que, agora, aprecio pela janela onde lhe escrevo trazem alguma esperança nestes tempos de cólera! Todavia a fome esse monstro das horas mortas continua a arrastar o seu convênio diante da inoperância de quem deveria prover o básico. A fome! A fome, sempre ela, a ensinar os ilustres mundanos a serem mais afectivos.
Escrevo ainda com os miolos queimados! É tanta a maldade nesta geração de espectáculo, tudo é capturado sob o prisma de um self ou um post na fábrica de sonhos inalcançáveis como disse o poeta com umbigo ancorado nas terras de muhipiti.
O tempo, caro pensador das lentes, separa-nos por mais de 348 anos de volta ao sol! Verde é o semblante do gato pendurado na telha da manhã, franzinho, com as ossadas cambaleando sob a folga da cauda, ficamos pelos 45 anos que abraçam meus cabelos neste instante, os mesmos anos com que deixaste as asas da vida sob a âncora desta terra.
Há muitas inovações neste momento, como as que ouviste algures sob a batuta do grande Da Vinci. No entanto, para nós que vimos o virar do outro milénio, sempre à espera do Nazareno, adoptamos as redes sociais como mecanismo de manutenção da nossa existência face ao distanciamento entre os homens.
Assim sendo, as redes sociais da minha pequena aldeia não falam de outra coisa senão uma indemnização milionária, 4 milhões de meticais para ser preciso! Pois é, esse valor para ressarcir os danos morais por conduta indevida de um jovem que se fez artista com o beneplácito do silêncio. Será lícito criar critérios para a criatividade humana, seja ela para o bem ou para mal? Quem ditou a precisão da arte maior não estará excomungado nos dias de hoje, onde tudo que se diz, pode ser conotado com inveja?
Sei que não fazes ideia! Deixa-me contar. Há dias, deixou-nos o Mário de um país com nome de ave apreciada no Natal. Sim, esse último mago das terras andinas e registou dedico a você o meu silêncio como que a profetizar o seu fim. Quando já não temos nada a provar, o silêncio parece ser a única forma de mostrar a nossa resignação ou alheamento como fez o Bernardo Soares no epílogo do seu desassossego.
Onde encontro a ética, caro Spinoza? Onde habita a ética? Que pedra dança pulsação do ritmo cardíaco? Que Deus a noite desvenda quando não sonho?
Não lhe maço mais, o tempo urge e as manhãs continuam a espraiar a luz que esconde o cheiro da morte.
Até breve, do seu admirador.
Fonte: O País