‘Direito ao golo’ é o espaço de opinião quinzenal de João Caiado Guerreiro, jurista
«Sou eu que vou fazer essa m…, c…»; «como é que eu mudo essa m… há jogadores que não saltam.»; «quando eu digo m… não é o clube c…» E há mais, mas acredito muitos já ouviram o áudio do treinador do Benfica, Bruno Lage, na garagem da Luz, numa conversa com algumas dezenas de adeptos que o confrontaram após a derrota com o Casa Pia. Sim, o treinador não fugiu às explicações, foi corajoso, mas é tudo. O resto foi um comício que, mais tarde, se transformou num filme de terror. Para Lage, para Rui Costa, para os adeptos e para a instituição Benfica.
Lage defendeu-se dizendo tratar-se de uma «conversa privada». O argumento não colhe. Não se conversa em privado, num sítio público, com dezenas de pessoas! Não é sequer matéria para discussão: foi uma conversa pública gravada por alguém. Foi um gesto feio? Sim, a maioria de nós não o faria, mas quando uma equipa é abordada dentro das instalações de um clube por adeptos zangados — alguém os deixou estar ali — devem ser tidas todas as precauções.
E um treinador ou administrador de uma empresa pode falar assim? Poder pode, mas trata-se, no mínimo, de infração disciplinar. Além de má educação. A gestão das empresas requer rigor, e que todos sejam tratados da mesma forma. Se o Benfica aceita que Lage fale assim em público, também aceita que os jogadores e outros funcionários o façam — e paremos de dizer que é ambiente de futebol. A Direção do clube perde autoridade e fica identificada com estes comportamentos, com os quais é conivente. Aliás, se a Direção do Benfica não instaura um processo disciplinar ou pelo menos de averiguações por este motivo, da próxima vez que um jogador disser o que quiser numa entrevista, vai fazer o quê? O jogador vai obviamente defender-se dizendo que o treinador, seu superior hierárquico, também diz o que quer.
O que o Benfica devia ter feito era abrir um processo de inquérito prévio — art.º 352 do Código do Trabalho: «Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa (…).» Averiguados os factos, o Benfica poderia então decidir o que fazer. Afinal, o empregador tem o poder disciplinar — art.º 328 do Código do Trabalho: «No exercício do poder disciplinar o empregador pode aplicar as seguintes sanções: a) Repreensão; b) Repreensão registada; c) Sanção pecuniária (a tal multa que os clubes tanto aplicam); d) Perda de dias de férias; e) Suspensão (…); f) Despedimento (…).» Poder-se-ia concluir não haver culpa ou este ter atenuantes e, nesse caso, não haveria sanção. Mas o Benfica fez outra coisa: esquecer o assunto rapidamente. Preocupado em manter o treinador, Rui Costa agiu mal e contribuiu para o problema. Havendo processo de inquérito, e sanção ou não, o assunto aí sim desapareceria porque tinha sido formalmente tratado e resolvido.
O Direito ao Golo desta semana vai para a Seleção de andebol, que chegou às meias-finais do Mundial, e lutou até ao fim com a campeã da Europa, França, pela medalha de bronze. E para a Patrícia Sampaio que venceu o Grand Slam de Judo em Paris. As nossas modalidades estão de parabéns!
Fonte: A Bola