A arquitectura do sistema financeiro mundial está a ser redesenhada pela inovação tecnológica, mas os riscos fundamentais continuam presentes, apenas deslocados para novos actores e infra-estruturas. Esta é a principal tese defendida por Yao Zeng, professor da Wharton School, no artigo “Finance Changed, Risks Didn’t”, publicado na edição de Setembro de 2025 da revista Finance & Development.
Após a crise de 2008, os reguladores reforçaram os bancos com maiores requisitos de capital e instrumentos de supervisão. Contudo, o avanço da digitalização e a ascensão de actores não bancários alteraram radicalmente a forma como circulam liquidez, crédito e pagamentos.
Segundo Zeng, fundos mútuos e ETFs passaram a fornecer uma parcela crescente da liquidez diária, mas, ao contrário dos bancos, não contam com seguros de depósitos ou acesso directo aos bancos centrais. Isto cria um paradoxo: em períodos de tensão, podem transformar-se em amplificadores de choques, forçados a liquidar activos ilíquidos em mercados em queda.
No campo do crédito, a combinação de IA e big data permitiu às plataformas fintech e às gigantes tecnológicas expandirem empréstimos a pequenas empresas e consumidores, utilizando registos de pagamentos digitais como novos “scores de crédito”. Casos como a abrupta interrupção do programa de empréstimos da Amazon em 2024 ilustram, no entanto, a vulnerabilidade deste modelo em momentos críticos.
As stablecoins surgem como alternativa promissora, com maior estabilidade do que o Bitcoin, ao serem indexadas a moedas fiduciárias e apoiadas em reservas. Países como Argentina, Turquia e Venezuela já recorrem a estas moedas digitais como refúgio contra a inflação. Porém, ao carecerem de garantias estatais e mecanismos de último recurso, permanecem expostas a riscos de corrida e falhas de confiança, como demonstrado pelo colapso do Terra e pela desvalorização temporária do USDC em 2023.
Em paralelo, sistemas públicos de pagamentos instantâneos, como o Pix no Brasil e o UPI na Índia, conseguiram massificar a inclusão financeira. Mas estudos recentes mostram que, ao forçar os bancos a manter maiores reservas líquidas, esses sistemas podem inadvertidamente reduzir a concessão de crédito e aumentar a tomada de risco.
Zeng conclui que a transformação financeira acelerou os fluxos de capitais e fragmentou a intermediação, deslocando funções centrais do sistema para fora do perímetro regulatório. O desafio, alerta, é que as “canalizações” do sistema ficaram mais rápidas, mas os mecanismos de estabilização não acompanharam a mesma evolução.
Num mundo em que a liquidez, o crédito e os pagamentos são controlados por fundos, plataformas e redes descentralizadas, as velhas regras já não bastam. Os riscos não desapareceram — apenas mudaram de lugar.
Fonte: O Económico