A tensão entre o Governo de Moçambique e a Mozal, a maior indústria do país e uma das maiores fundições de alumínio de África, atingiu um ponto de inflexão. O Presidente da República, Daniel Chapo, assumiu publicamente uma posição firme contra as exigências da multinacional, acusando-a de chantagem e advertindo que as tarifas propostas para o fornecimento de energia elétrica são “insustentáveis” e poderiam levar ao colapso da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), a principal joia energética do país.
A posição presidencial
Durante a 45.ª Cimeira da SADC, em Madagáscar, Chapo declarou que “não podemos aceitar tarifas que levem a HCB a subsidiar a Mozal e a colapsar a nossa galinha dos ovos de ouro”. Sublinhou que o Governo está a negociar, mas que o compromisso será apenas em condições justas. Ao insistir que a HCB não pode ser sacrificada em nome da competitividade industrial, o Presidente marcou uma linha vermelha: o interesse nacional está acima das pressões empresariais.
Chapo reforçou ainda que o Governo não é parte contratual direta com a Mozal, uma vez que o fornecimento de energia decorre de um acordo entre a HCB e a Eskom, a estatal sul-africana que revende eletricidade à fundição. Esta clarificação foi estratégica, deslocando o debate para o plano regional e retirando margem de manobra à Mozal para responsabilizar diretamente o Estado moçambicano.
O impasse dos números
Os dados revelados pelo Savana mostram a profundidade da divergência. A Mozal propõe US$ 48/MWh, alegando que acima de US$ 50/MWh a fundição torna-se inviável. O CEO da South32, Graham Kerr, defende que estudos independentes confirmam que fundições só são viáveis entre US$ 40 e 50/MWh, considerando qualquer valor superior como economicamente inviável.
O Governo contrapõe com US$ 64/MWh, sustentando que vender a 48 significaria um subsídio público de cerca de US$ 50 milhões/ano à Mozal, num contexto em que a HCB está a realizar investimentos pesados para reabilitação e expansão da sua capacidade. Além disso, no mercado regional os preços rondam entre US$ 100 e 120/MWh, tornando a proposta da Mozal ainda menos defensável do ponto de vista económico.
As negociações, suportadas numa estrutura de custos auditada pela Ernst & Young (E&Y), já chegaram a discutir valores de US$ 95/MWh, mas fontes próximas admitem que um compromisso poderá situar-se entre US$ 60 e 65/MWh — faixa considerada sustentável para a HCB e, ao mesmo tempo, capaz de manter a Mozal em funcionamento, ainda que com menor margem de lucro.
Implicações estratégicas
A disputa não é apenas tarifária, mas estrutural. A Mozal consome 950 MW, mais do que o consumo agregado do restante País, o que significa que qualquer concessão tem impacto direto na sustentabilidade do sistema energético. Ao mesmo tempo, a fundição representa cerca de 3% do PIB nacional, garante 5.000 empregos diretos e mais de 20.000 indiretos, sendo um pilar da economia formal.
Para o Governo, no entanto, preservar a HCB é crucial para a Estratégia de Transição Energética até 2050, que prevê o repatriamento de 8–10 TWh exportados anualmente para a África do Sul e a adição de 2 GW de capacidade hidroelétrica até 2031. A insistência em transferir o fornecimento da Mozal para a EDM traduz o objetivo de internalizar a gestão da energia e reduzir a dependência da Eskom.
A encruzilhada
O conflito expõe um dilema de difícil resolução. Para a Mozal, está em jogo a sua viabilidade financeira. Como advertiu Graham Kerr, “se fechar, nunca mais reabrimos a Mozal, é demasiado complexo”. Para o Governo, aceitar tarifas baixas significaria comprometer a sustentabilidade da HCB e, com ela, o futuro energético do país. Como frisou Chapo, a prioridade é defender o interesse nacional, mesmo que isso implique enfrentar a maior exportadora industrial de Moçambique.
A disputa entre a Mozal e o Governo não é meramente contratual: é um teste à soberania económica e à capacidade de Moçambique gerir os seus ativos estratégicos. De um lado, a maior indústria exportadora, pilar do PIB e do emprego formal. Do outro, a necessidade de proteger a HCB como ativo vital para a transição energética e o desenvolvimento de longo prazo.
O desfecho, previsto até março de 2026, dirá se o país opta por ceder às pressões imediatas de competitividade industrial ou se transforma esta crise numa oportunidade para redefinir a sua política energética e industrial com maior autonomia e sustentabilidade.
Fonte: O Económico