Nos últimos dias, Maputo tem sido palco de intensos protestos contra a cobrança de portagens, particularmente na Estrada Nacional Número 4 (N4), a principal via que liga a capital moçambicana à fronteira com a África do Sul. A questão das portagens tornou-se um ponto de controvérsia e protestos, reflectindo um conflito crescente entre os cidadãos, especialmente os transportadores, e as autoridades responsáveis pela cobrança de taxas para o uso das principais infraestruturas rodoviárias do país.
A Retoma das Portagens e os Protestos Iniciantes
A cobrança de portagens na N4 foi suspensa temporariamente devido às manifestações pós-eleitorais em Moçambique, mas foi retomada no dia 23 de janeiro de 2024. A volta da cobrança, que foi imediatamente seguida por protestos em várias partes do País, acirrou ainda mais a tensão nas ruas. Os manifestantes, compostos principalmente por transportadores, acusam as autoridades de não consultar adequadamente a população antes de impor a cobrança de portagens e de não oferecer alternativas viáveis para quem não pode pagar.
A principal reivindicação dos manifestantes está relacionada à alegação de que a cobrança de portagens na N4 já cumpriu o seu ciclo de rentabilidade, devido ao tempo de operação da estrada. Além disso, é levantada a questão da falta de uma via alternativa e da ausência de um processo público de consulta sobre a implementação dessas taxas.
O Protesto de 29 de Janeiro: Vandalismo e Confrontos
Na quarta-feira, 29 de janeiro de 2024, os protestos atingiram um novo nível de intensidade. Manifestantes bloquearam a N4, com um camião-cisterna sendo usado como escudo para impedir a intervenção policial. A via foi bloqueada logo pela manhã, causando um caos significativo no trânsito, especialmente porque a N4 é uma rota essencial para o transporte de mercadorias, incluindo o escoamento do minério da África do Sul. Os manifestantes, que eram em grande parte transportadores, ameaçaram incendiar o camião-cisterna caso a polícia tentasse desbloquear a estrada.
As instalações da TRAC, a concessionária responsável pela N4, foram vandalizadas pelos manifestantes, que destruíram duas viaturas. O ato de vandalismo aconteceu nas primeiras horas da manhã, praticamente ao mesmo tempo em que a via era bloqueada pelos manifestantes. As viaturas, estacionadas nas instalações da TRAC, sofreram danos consideráveis, e a empresa viu suas instalações cercadas por policiais, com um blindado da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) posicionado na entrada.
Durante o dia, as forças de segurança tentaram diversas vezes negociar com os manifestantes, mas sem sucesso. À medida que o protesto se intensificava, a polícia foi forçada a recorrer ao uso de gás lacrimogéneo e disparos para dispersar os manifestantes e evitar que o bloqueio se expandisse. Em várias ocasiões, a UIR usou métodos enérgicos para dispersar o grupo, mas a resistência foi feroz. O uso de gás lacrimogéneo pela polícia foi uma tentativa de evitar novos bloqueios e manter a ordem.
Confrontos com a Polícia e Uso de Gás Lacrimogéneo
Os manifestantes recusaram propostas de negociação feitas pelas autoridades, incluindo um perdão de dívidas aos transportadores, que estavam na origem do bloqueio. A postura irredutível dos manifestantes, que se opunham à cobrança de portagens, acabou gerando mais tensão entre as partes, com confrontos em várias frentes. A ameaça constante de que os manifestantes incendiassem o camião-cisterna que bloqueava a estrada contribuiu para o prolongamento da crise.
A Desmobilização Pacífica e a Retomada da Circulação
Após mais de dez horas de protesto, a situação começou a se resolver pacificamente. Por volta das 17h30, alguns dos transportadores começaram a desmobilizar, retirando os camiões e deixando a estrada livre. A desmobilização foi voluntária, embora tenha sido precedida por várias tentativas frustradas da polícia de negociar a retirada dos manifestantes. Quando os manifestantes começaram a retirar os veículos, a polícia assumiu o controlo da estrada, assegurando que a circulação fosse restabelecida rapidamente.
No entanto, a maioria das cabines de cobrança de portagens continuava a não realizar cobranças, devido ao boicote dos manifestantes. Durante a paralisação, muitos camiões que estavam imobilizados durante horas começaram a retomar a circulação, incluindo os que transportavam produtos para a África do Sul.
O Impacto dos Protestos nas Operações da TRAC e no Comércio
Os protestos anti-portagens têm gerado efeitos significativos tanto nas operações da TRAC quanto no comércio de mercadorias entre Moçambique e a África do Sul. A N4 é uma via fundamental para o transporte de produtos, incluindo o minério, que é uma das principais exportações da África do Sul. O bloqueio das estradas e os ataques às instalações da TRAC causam interrupções nas operações comerciais, afetando os motoristas e empresas que dependem dessa via para escoar seus produtos.
Além disso, a cobrança de portagens tem sido uma questão delicada para os motoristas, que em alguns casos forçaram as cancelas de pagamento para passar sem pagar. A TRAC, em resposta, instalou correntes nas cabines de portagem para tentar garantir a cobrança, o que aumentou ainda mais a tensão entre os motoristas e a concessionária.
Desafios para as Autoridades e Perspectivas Futuras
A situação continua a evoluir e traz consigo uma série de desafios para as autoridades moçambicanas. O Governo terá que encontrar uma forma de lidar com a insatisfação popular e com os protestos crescentes, ao mesmo tempo em que busca equilibrar as necessidades fiscais com as devidas condições de mobilidade e acessibilidade para os cidadãos. A falta de alternativas viáveis de transporte e o impacto das portagens sobre as comunidades mais vulneráveis são questões que exigem uma solução abrangente.
Embora as autoridades tentem mitigar os efeitos dos protestos com medidas de segurança e diálogo, a persistência do descontentamento popular sugere que o tema das portagens será um dos principais desafios sociais e económicos de Moçambique nos próximos meses. A retomada das cobranças nas principais vias do país, sem uma consulta pública adequada e sem alternativas eficientes para os automobilistas, provavelmente continuará a ser um ponto de fricção nas relações entre o governo, as empresas concessionárias e a população.
Os protestos contra as portagens em Maputo reflectem uma tensão crescente entre as autoridades e a população, especialmente os transportadores, que são os mais afetados pela cobrança de taxas nas principais vias do país. O vandalismo, os bloqueios de estradas e os confrontos com a polícia são sintomas de uma insatisfação generalizada com o sistema de cobrança de portagens e com a falta de alternativas viáveis para os cidadãos. À medida que o debate sobre as portagens continua a ganhar força, será crucial que as autoridades busquem um equilíbrio entre as necessidades fiscais e a justiça social, ouvindo as preocupações da população e considerando soluções que atendam às demandas de todos os envolvidos.
Fonte: O Económico