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Reportagem A BOLA IA no futebol português: «Já assinámos com um clube top-3 de Portugal»

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Tiago Costa Rocha é fundador e CEO da Full Venue, uma empresa portuguesa de inteligência artificial que começou a marcar golos no estrangeiro e agora faz o mesmo em ‘casa’; tem dezenas de clientes no futebol, dois deles no campeonato português; o ex-piloto de Fórmula 1 Tiago Monteiro é investidor: «A partir do momento em que ouvi falar e comecei a fazer uma análise da empresa, em poucas semanas, decidi entrar»

Um edifício em Lisboa que é o sonho para qualquer start up tecnológica, de cores claras, vibrantes e com um ambiente acolhedor, alberga diferentes empresas, entre elas a Full Venue e onde A BOLA foi recebida.

Numa sala de mesas brancas preenchidas por portáteis, está uma empresa «sem igual no mundo», que já trabalhou com cinco federações de futebol e dois clubes estrangeiros, a Liga portuguesa e, muito em breve, «com um clube do top-3 e outro do top-5 em Portugal». Quem o diz é Tiago Costa Rocha, CEO e fundador de uma empresa «com uma visão única» e um produto «revolucionário em qualquer parte do mundo».  

No início da conversa, antes até da gravação oficial começar, Tiago já está a falar de objetivos. Nunca se esquece do foco da Full Venue, que nasceu no auge da pandemia do Covid-19: «Eu trabalhava na Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e ao vir para casa com a pandemia, comecei a ter tempo para pensar neste projeto que já estava aqui a cozinhar há algum tempo. Apresentei-o a algumas organizações internacionais, que trabalhavam com clubes, federações e ligas e rapidamente surgiu um interesse de todas elas de ouvirem mais sobre o produto.» 

Esse produto, «uma solução de inteligência artificial (IA) que calculava a probabilidade de um adepto comprar um bilhete de um jogo de futebol», foi a base para o que a Full Venue faz agora, utilizando IA preditiva para analisar os dados de histórico de compradores e «construir o perfil de cada adepto e perceber o que é que ele quer comprar. Para que jogo é que ele quer um bilhete, que tipo do produto ele quer na loja online. Essa informação é passada às equipas de marketing, que o conseguem apontar de forma mais efetiva». 

É este unicismo que, para Tiago, termina com «o marketing à sorte»: «Isso acabou. Agora, o trabalho dessas equipas é direcionado com IA por trás e é isto que estamos a tentar acionar no lado do desporto.» 

Fundada no final de 2020, passou mais de um ano até a Full Venue fechar o primeiro contrato com um cliente: «Foi a Federação Belga de Futebol, com quem começámos a trabalhar em 2021, numa altura em que não havia pessoas no estádio por causa do Covid-19. Eles deixaram-nos usar dados deles para perceber se o nosso algoritmo era válido ou não e estivemos o ano todo em testes.» Até que praticamente um ano depois da sua criação, a Full Venue deixou de estar confinada a ensaios. 

«O Covid aliviou e em novembro de 2021 houve a possibilidade de testarmos o algoritmo porque a Bélgica teve um jogo em casa em que ia abrir parte do estádio. Deram-nos essa oportunidade, a ver se os ajudávamos. Resultou muito bem, esgotaram tudo o que tinham de esgotar nesse jogo, nós fomos lá e nessa altura fechámos o primeiro contrato oficial da Full Venue, que foi válido durante o ano de 2022», recorda com satisfação Tiago. E para perceber um pouco melhor como funciona este algoritmo português, o que é que foi exatamente feito para aumentar essas vendas? 

«Eles queriam aumentar o preço dos bilhetes, mas sem chocar os adeptos. O que fizemos foi analisar quais eram os setores do estádio que esgotavam primeiro. Identificámos que preço estava ali e qual era a zona mais próxima daqueles lugares que tinham um preço mais alto. Percebemos que conseguíamos cobrir uma sombra maior, ou seja, pegávamos em duas filas, ou dois setores, que deixavam de custar 20€ e passavam a ser 25€. Ou seja, aquela zona da bancada passava a ter mais dois setores com o novo preço. Assim, no final de uma época, podemos estar a falar de milhões de euros de receita», explica Tiago, que não olha para este como um sucesso isolado, mas sim como um abrir de portas no futebol europeu: «Desde aí começámos a expandir também a nível de federações. A UEFA é algo que nós queremos atacar com força, estamos a trabalhar neste momento com cinco federações de futebol (País de Gales, Bélgica, Roménia, Albânia e Finlândia) e temos a perspetiva de continuar a crescer.» 

A implementação da segmentação de informação através de IA é um conceito desconhecido para muitos, suscetível, por isso, a algum ceticismo, sobretudo em Portugal, uma vez que a Full Venue começou a crescer angariando clientes estrangeiros – em particulares clubes como o Villarreal e o Club Brugge, que queriam aumentar as vendas de merchandising – que ainda representam a maioria dos seus negócios. Por cá, a ideia precisava de asas para iniciar o primeiro voo. E foi aí que apareceram os canarinhos. 

«O primeiro cliente em Portugal a acreditar na Full Venue foi o Estoril. Até foi de uma reunião que eu tive até com uma equipa da FPF que surgiu um contacto do CEO do Estoril, Guilherme Muller, e eu fui lá reunir-me com ele à Amoreira. O Estoril não tinha muitos dados, mas vendia, e vende, bilhetes numa plataforma de bilhética, e o Guilherme Muller teve a visão de experimentar isto», recorda. A parceria deu-se ao longo da época 2022/23, com o objetivo de aumentar o número de bilhetes vendidos por jogo em relação à temporada anterior. E o resultado satisfez a todos. 

Em ambas as temporadas, o Estoril esteve na Liga, sendo que nos jogos caseiros de 2021/22, no Estádio António Coimbra da Mota, a média de espectadores foi de 1420. «Fizemos um modelo, sem risco para o Estoril, vendo qual seria a média de assistências nesta época (2022/23). Até certo número de espectadores por jogo, eles não tinham de nos pagar nada, só se aumentássemos a assistência é que eles nos pagavam uma percentagem de cada bilhete extra que vendessem», explica Tiago. E o que é certo é que a média de espectadores por jogo aumentou em mais de mil pessoas, porque esse valor, em 2022/23, foi de 2524: «Esse projeto serve-nos muitas vezes para fechar novos clientes, porque funcionou muito bem, mesmo com poucos dados.» 

O próximo passo no mercado português já está dado e prestes a ser revelado: «Fechámos muito recentemente um contrato com clubes muito interessantes, que ainda não vou divulgar, mas temos um clube que eu diria que é top-5 e temos outro clube que é top-3 em Portugal.» 

Deste modo, como a Full Venue fechou uma parceria com Benfica, FC Porto ou Sporting, clubes que já costumam ter os estádios cheios, ou perto disso, a empresa vai focar-se noutra fonte de rendimento tão ou mais relevante: «O merchandising tem sido algo na cabeça de todos os que falam connosco, tiraram os bilhetes da frente, obviamente que é interessante e vamos ajudar a aumentar a assistência no estádio, mas as vendas online passaram a ter uma visão diferente. Portugal não vende só aqui dentro, também vende lá fora porque nós temos a diáspora e o mercado da saudade.» 

«Portanto, com o poder de compra que existe lá fora e com o interesse que há no campeonato português, as vendas de qualquer clube da Primeira Liga devem estar, no mínimo, nos 70%-30% e o 30% não é lá fora, é em Portugal. Isto pode não faturar tantos milhões como direitos de transmissão ou patrocinadores, mas são esses milhões que depois fazem com que a massa de adeptos aumente, que o interesse em torno do clube aumente e que todos os outros assets aumentem o seu valor», aponta Tiago, sempre com o olho para o que não está a ser feito, mas que é alcançável. 

«Ouvi falar na empresa quase no seu início», recorda Tiago Monteiro, automobilista e ex-piloto da Fórmula 1 entre 2005 e 2006, em conversa com A BOLA, que conheceu a Full Venue graças a outro piloto que agenciou no início da carreira deste, António Félix da Costa. «O António criou uma empresa de investimento, a Apex Capital, de ajuda a start ups e vai-me propondo algumas para eu analisar e eventualmente investir», conta Tiago Monteiro.  

Tiago Rocha (que para além de ter o mesmo nome do piloto, também é portuense), destaca que os business angels – «investidores privados, que têm algum dinheiro guardado e que acreditam que se investirem pequenas frações em pequenos negócios, podem multiplicar esse dinheiro por um múltiplo alto» – é que «acabaram por financiar este sonho durante o ano e meio» em que a Full Venue procurava pelo primeiro cliente. 

«O Tiago Monteiro, desde o primeiro momento, teve uma receptividade e um interesse enorme em saber o que fazíamos, o que queríamos fazer, onde é que queríamos chegar, como é que ele podia ajudar e criámos ali uma relação muito próxima. Ele foi um dos três business angels que nos permitiu, numa fase inicial, obter alguns clientes e provar que o nosso negócio era vendável», acrescenta. 

O piloto, por seu lado, ficou rapidamente convencido com «o potencial muito grande» que a Full Venue tinha, tanto que o investimento «foi feito muito rápido»: «A partir do momento em que ouvi falar e comecei a fazer uma análise da empresa, das pessoas envolvidas, em poucas semanas decidi entrar.» 

A Full Venue está sobretudo centrada no negócio futebolístico, mas Tiago Monteiro, sem surpresas, também revela apetência para fechar parcerias no automobilismo: «Já houve muitas conversas com empresas ligadas a produtos automóveis, promotores de campeonatos, equipas, canais de televisão ligados ao desporto automóvel. Até agora, nada se confirmou, mas está para acontecer, alguns desses contactos estão em análise.» 

«Sendo um negócio tão moderno e tão diferente, há muitas empresas que ainda têm dificuldades em perceber ou acreditar. Felizmente há muitas opções no mercado. É trabalhar com os que acreditam, porque temos resultados para provar aos que não acreditavam no início que afinal vale a pena», termina Tiago Monteiro. 

A Full Venue opera num mundo de IA que ainda muitos podem desconhecer. O que todos conhecem é o conceito de marketing, mas este ainda pode ser ineficiente. E é isso que Tiago Rocha quer mudar: «Nós estamos a tornar a comunicação de marketing mais eficiente com uma base de IA por trás que nos diz para não apontarmos para o oceano inteiro, para apontar para este cantinho, para esta praia, porque vai-se vender tudo nesta praia.»  

De acordo com a Google, as pesquisas do termo inteligência artificial, nos últimos 10 anos, só tiveram um aumento exponencial a partir de dezembro de 2021, mais de um ano após a fundação da Full Venue. «Começámos a falar de inteligência artificial antes de esta explodir, mas a forma como conseguimos atrair interesses de investidores e clientes facilitou muito porque, hoje em dia, toda a gente quer ouvir falar sobre isto. Nós apanhámos a tempestade perfeita, estávamos no lugar certo à hora certa», explica Tiago.  

Esta solução de IA não é só aplicável ao desporto, tanto que a Full Venue já trabalhou com marcas de moda e festivais de música. Mas o foco sempre foi o desporto, não fosse Tiago Costa Rocha um apaixonado do futebol. 

«Lembro-me muito bem do meu pai me levar os treinos do FC Porto, no Estádio das Antas. Nunca mais me esqueço. Estava lá o falecido Miki Fehér e estava o Jardel, os dois a treinarem cabeceamentos. E os do Jardel eram uma coisa impressionante, as bolas pareciam livres diretos, nunca tinha visto uma coisa assim», recorda com um sorriso, mas também com o propósito que o levou a apontar a Full Venue para o desporto. 

«Já trabalhei na área do futebol, pelo qual sempre tive uma paixão grande e depois, há um certo preconceito com o que nasce dentro do futebol e do desporto, e nós somos teimosos. Nós não estamos a trabalhar só no desporto, estamos noutras áreas altamente competitivas, como retalho, moda, farmácia e conseguimos passar por cima desse preconceito. Um negócio que nasceu dentro do futebol, cujos clientes principais iniciais eram clubes, federações e ligas, mostrou que a proposta de valor era aplicável noutras áreas teoricamente mais profissionalizadas e mais competitivas. O nosso ADN, aquilo que nós sabemos mesmo fazer, é futebol.» 

Fonte: A Bola

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