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SOBREVIVÊNCIA DA CRIANÇA

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Foto: MMO

Com o custo de vida cada vez mais elevado, a fome cresce de forma alarmante em todo o território moçambicano. Muitos lutam diariamente por sobrevivência nesta verdadeira via-crúcis, onde as vítimas mais vulneráveis são, sobretudo, as crianças. Vindas das províncias para as capitais em busca de oportunidades e melhores condições de vida, deparam-se com a crueza das ruas  onde, em vez de abrigo e esperança, encontram fome, violência e exploração.

O cenário urbano de Maputo e de outras cidades capitais expõe uma realidade crua e profundamente dolorosa: o aumento visível do número de crianças em situação de rua. Muitas deixam as suas províncias movidas pela esperança de encontrar trabalho, acesso à educação ou simplesmente melhores condições de vida. No entanto, ao chegarem à capital, deparam-se com um ambiente inóspito, onde falta acolhimento, escasseiam oportunidades e, por vezes, não há caminho de regresso. Foi na baixa da cidade de Maputo que entrevistei Daniel, de 16 anos, natural da província de Gaza. Em busca de um futuro melhor, chegou à capital sozinho. Hoje sobrevive com pequenos trabalhos nas ruas e dorme nas paragens de transporte. Apesar de manifestar o desejo de regressar a casa, está impedido de o fazer por falta de meios financeiros.

A história de Daniel está longe de ser excepção é, na verdade, o retracto fiel de uma realidade partilhada por inúmeras crianças moçambicanas. Forçadas pela pobreza extrema e pela ausência de oportunidades, muitas abandonam o interior do país com a esperança de encontrar acolhimento nas cidades. Mas, ao chegarem, descobrem que ali também não há espaço para elas. A sua sobrevivência é feita de escolhas duras e trajetos incertos. Sem documentos, sem apoio familiar e sem acesso a políticas públicas eficazes, tornam-se invisíveis aos olhos da sociedade. Passam as noites em mercados, estações, passeios ou paragens, enfrentando a fome, o frio e a constante ameaça da violência. Algumas, pela falta de alternativas, enveredam por pequenos delitos; outras são vítimas de exploração por adultos que se aproveitam do trabalho infantil.  Crianças que deveriam estar a viver uma infância protegida aprendem, desde muito cedo, não a viver, mas a resistir.

Quando adoecem, a realidade torna-se ainda mais dura. Sem acesso a centros de saúde, sem documentos ou um adulto que as acompanhe, muitas crianças enfrentam sozinhas doenças nas ruas. Gripe, malária, infeções cutâneas, feridas abertas e problemas respiratórios são apenas algumas das condições a que estão expostas  agravadas pela má alimentação, falta de higiene e a exposição constante ao frio ou ao calor extremo. O sistema de saúde, por sua vez, raramente está preparado para acolher crianças nestas circunstâncias. Em muitos casos, são ignoradas ou mandadas embora, num gesto que equivale a uma condenação silenciosa. A sobrevivência infantil não pode continuar a ser uma tarefa imposta às próprias crianças. É urgente reconhecer que estamos perante uma crise social profunda, que exige acção coordenada entre o Estado, as famílias e todos os cidadãos. Permitir que uma geração cresça nas ruas, privada do mínimo necessário para viver com dignidade, é comprometer o futuro do país  alimentando ciclos de exclusão, violência e criminalidade.  O mais alarmante é o silêncio que se instalou à volta desta tragédia. Onde estão as políticas públicas de acolhimento e reintegração? Onde estão os programas que deveriam garantir abrigo, alimentação, saúde e educação? A sociedade civil, habituada a vê-las como parte da paisagem urbana, parece ter perdido a capacidade de se indignar.  Mas não podemos normalizar o abandono. É preciso agir  com políticas sérias, empatia real e urgência. Porque nenhuma criança deveria crescer com medo, quando o que lhe cabe por direito é a esperança.

 

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