Início Nacional Sociedade VENDEM SONHOS, COMPRAM INFÂNCIAS: O MERCADO CRUEL DE MAPUTO

VENDEM SONHOS, COMPRAM INFÂNCIAS: O MERCADO CRUEL DE MAPUTO

0
Foto: UN News

Entre o caos das buzinas e o colorido das bancas, esconde-se uma realidade que deveria envergonhar qualquer sociedade: crianças vendendo doces, carregando baldes e negociando sonhos que não lhes pertencem. Vindas sobretudo da província de Gaza, elas trocam a escola pela sobrevivência, empurradas por um sistema que normaliza a exploração infantil.

A promessa feita às famílias é simples e cruel: os filhos trabalharão por um tempo, ajudarão nas despesas e, quem sabe, voltarão a estudar. Mas o que encontram é um mercado implacável, onde jornadas exaustivas, salários miseráveis e ausência total de direitos são a regra. Alexandre, um dos poucos que decidiu regressar à escola, revela: “Recebo 1500 meticais e só encontrei sofrimento. Sinto saudades da minha família e da escola.” Ele é excepção. A maioria permanece invisível, alimentando um ciclo de pobreza e abandono.

Essas crianças, muitas com apenas 13 ou 14 anos, estão nos mercados do Xipamanine, Fajardo, Malanga, Zimpeto e Xiquelene. Vendem rebuçados, água, ovos cozidos. Trabalham sem contrato, sem protecção legal, sem qualquer garantia de futuro. O Estado, que é o guardião da infância, está ausente e a exploração infantil é tolerada como se fosse parte do tecido urbano.

Existem leis que proíbem o trabalho infantil e garantem o direito à educação, mas elas não saem do papel. A fiscalização é fraca, quando não inexistente. As crianças estão visíveis, mas continuam invisíveis para quem deveria protegê-las.

O impacto é devastador. O trabalho precoce compromete o desenvolvimento emocional, psicológico e social. Sem educação, sem auto-estima, sem perspectivas, essas crianças crescem condenadas a repetir o ciclo de pobreza. E Moçambique paga o preço: uma geração sem formação é uma nação sem futuro.

Organizações como a UNICEF tentam mitigar os danos com projectos de reintegração escolar e capacitação familiar em zonas como Mandlakazi, Chibuto e Chókwè. Mas esses esforços, embora louváveis, são insuficientes. A mudança exige mais: políticas públicas eficazes, fiscalização activa e uma sociedade que se recuse a aceitar a exploração como normal.

As famílias precisam de apoio, orientação e alternativas. Nenhuma criança deve ser enviada para a cidade para trabalhar. Isso não é solução, é perpetuação da miséria. Proteger a infância não é caridade, é dever constitucional.

Enquanto o país não enfrentar com seriedade a realidade da exploração infantil, milhares de crianças continuarão a trocar lápis por balanças, livros por bandejas de bolachas. E o futuro de Moçambique continuará refém de um presente marcado pela negligência e pela desigualdade.

Ser criança é ter o direito de brincar, estudar e crescer com dignidade. Quando esse direito é violado, não é apenas a infância que se perde, é a esperança de um país mais justo.

SEM COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu nome aqui
Por favor digite seu comentário!

Exit mobile version