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Numa advertência clara e directa, o Banco Mundial apela a uma “transparência radical” na gestão da dívida nos países em desenvolvimento, como condição para evitar uma nova vaga de crises financeiras. Com o endividamento global num máximo histórico e os custos de financiamento em alta, a opacidade nas contas públicas representa um risco iminente para a estabilidade económica mundial.
A crise da dívida soberana deixou de ser uma ameaça latente para se transformar num perigo concreto. O Banco Mundial, em novo relatório publicado esta sexta-feira, apela a uma viragem profunda nas práticas de reporte e governação da dívida pública. Segundo Axel van Trotsenburg, Director-Geral Sénior da instituição, “a transparência radical, que torna acessível informação fiável e atempada, é fundamental para quebrar o ciclo vicioso do endividamento oculto e dos resgates emergenciais.”
Apesar de avanços pontuais desde 2020, a maioria dos países de baixo rendimento continua sem publicar informação detalhada sobre os contratos de dívida. Apenas 25% revelam dados por empréstimo, e muitos recorrem a mecanismos informais – como colaterais, swaps entre bancos centrais e emissões fora do orçamento – que dificultam o controlo e a supervisão internacional.
Casos como o de Angola, que enfrentou recentemente um margin call de 200 milhões de dólares devido à queda nos seus títulos de dívida, ou a Nigéria, cujas reservas cambiais foram comprometidas em contratos complexos, ilustram os perigos dessa opacidade.
Do Boom à Armadilha: Dívida Como Risco Sistémico
Num texto complementar publicado pelo economista-chefe Indermit Gill, o Banco Mundial traça um retrato preocupante do cenário global: a dívida total está hoje 25% acima dos níveis de 2019, e o custo do serviço da dívida duplicou para metade dos países em desenvolvimento, absorvendo até 20% das receitas fiscais.
Gill recorda que o endividamento pode ser uma ferramenta virtuosa de desenvolvimento – se bem gerido. No entanto, alerta que muitos países entraram numa espiral descendente, onde o serviço da dívida compromete investimentos essenciais em educação, saúde e infra-estruturas. “Estamos perante um ‘loop de desgraça’, onde o crescimento é sacrificado para pagar dívidas contraídas no passado”, denuncia.
As actuais previsões de crescimento global – que caíram de 2,6% para 2,2% em 2025 – e a manutenção de taxas de juro elevadas (3,4% nos países desenvolvidos) limitam ainda mais o espaço fiscal dos países mais frágeis. Para Gill, reduzir a dívida pública deve ser a principal prioridade dos governos, especialmente nos casos em que a dívida ultrapassa os 60% do PIB.
Reformas Urgentes e Alerta para África
O Banco Mundial propõe acções concretas:
O relatório menciona países africanos como Senegal, Gabão e Camarões, que recorrem a “empréstimos fora do ecrã” para contornar limitações orçamentais, expondo-se a riscos acrescidos.
Para Moçambique, que ainda carrega o peso de uma crise de dívida oculta, a mensagem do Banco Mundial é inequívoca: sem transparência, não há confiança dos mercados; sem confiança, não há financiamento sustentável.
Regras Claras e Responsabilidade Partilhada
O Banco Mundial defende o retorno a normas fiscais mais conservadoras: dívidas até 40% do PIB nos países de baixo rendimento e 60% nos de rendimento médio. Mais do que números, a prioridade deve ser um novo consenso global sobre governação da dívida.
Num mundo em que a opacidade serve de refúgio para maus gestores, a transparência não é uma opção – é a única via para assegurar crescimento, equidade e soberania económica.
Fonte: O Económico