27.1 C
New York
Monday, December 15, 2025
InícioCulturaOs “Jardins de sonhos” no carnaval de cores com Languana

Os “Jardins de sonhos” no carnaval de cores com Languana

Por: Domingos Mucambe No cair do pano escuro, as trevas inundavam a Cidade de Maputo. Ao longo da Kim Il Sung, ouvia-se ainda orquestras de pássaros nas árvores. Os chilreios pressagiavam e (pré)prefaciavam a exposição inaugurada precisamente às 18 horas deste dia 3 de Julho, na Fundação Fernando Leite Couto.“Jardins de sonhos”, afinal as árvores e aves ainda prenunciavam muito mais, foi um constante desafio e atracção para os apreciadores das artes: as cores vibrantes, as figuras de aves, de árvores, de seres humanos e outros delírios, que bailam entre si, entre os espectadores, confundiam-nos e abraçavam-nos forte. Entre caras e caretas, figuravam as certezas nos rostos, que iam desaparecendo a cada pintura apreciada ou confronto na aguarela de Languana.Como adiantou a curadora, Yolanda Couto, “entro neles [os quadros] devagar, como se acordasse às primeiras horas, entre o consciente e o inconsciente […]”. Aldino Languana (n. 1972) expõe-nos, entre aspas, muito mais do que os papéis pintados com aguarela. Acaba descortinando um pouco a sua pele e acabamos por espreitar a sua alma, “os seus espíritos nocturnos invisíveis”.Com vasta experiência, o artista passou por vários ateliers de grandes mestres, como João Tinga. Efectuou também exposições colectivas, já são cinco só este ano entre núcleo das artes e Galeria do Porto de Maputo, e exposições individuais, que, com “Jardins de sonhos”, contamos sete.A sessão de abertura da nova individual de Languana contou com a presença de várias figuras proeminentes das artes, entre poetas, pintores, críticos e filosófos. A introdução com o poema laudatório esteve na responsabilidade do poeta Alvin Cossa, que nos levou, em ronga, talvez, a uma volta à infância de Languana, afinal, “uma vez criança, para sempre criança”.O poema declamado por Alvin Cossa, em ronga, foi de encontro com a camada mais velha, da terceira idade, e daqueles que só entendem a língua. Para os mais afro, que acederam, ao evento, foi uma ode… Para outros, foi uma contextualização do artista e da exposição. Situou-se tanto o artista como a obra em algum espaço, e, talvez, num certo tempo. Para outros outros ainda, Cossa revitalizou a língua bantu e difundiu a cultura. Contudo, em geral, a temática da poesia perdeu-se entre palavras complexas, metáforas e analogias que fugiam do entendimento dos jovens que lá se encontravam. Carregou-se o ronga e, com o que dava para captar e ouvir, criou-se um ambiente anímico que, posteriormente, descobrimos que não era genericamente propício para a exposição muito mais introspectiva. A elevação da voz, a entonação, o stress de algumas palavras, e os gestos bruscos incitavam-nos para euforias e marrabentas.A seguir ao poema laudatório, interveio o docente e filósofo Severino Ngoenha. Com o que lhe caracteriza, levou-nos a viagens filopoéticas e aterramos em Berlim, e, depois, questionamos as imteligências artificiais (sistemas computacionais capazes de realizar tarefas que, normalmente, exigem inteligência humana) no mundo contemporâneo.Severino Ngoenha conduziu-nos para longe: geograficamente e temporalmente. Viajamos pela Europa e Ásia e pelos tempos antigos e medievais para chegar até Languana, até à FFLC, até o dia 3, até às 18 horas.Ngoenha deu-nos um cheirinho do seu faro aguçado e implantou em nós, o público, a curiosidade em ver de perto os quadros “Cão de guia” e “Apocalipse”, questionando-se: “Será que o cão guia nos leva ao Apocalipse ou a saltar o Apocalipse?” [paráfrase]. Sem respostas categóricas, o filósofo finalizou a sua intervenção de forma magistral, quando aguçou ainda mais a nossa curiosidade e levou-nos a apreciar além cores das aguarelas: “O estético é o formal (nas artes), as cores, as formas […]. Mas o estético traz o que é ainda mais relevante […], a mensagem que se esconde atrás dela, e atrás da mensagem [escondida], esconde-se também a verdadeira face do artista”. A paleta de cores de Languana é um arco-íris, um hino à vibração da vida dinâmica, movimentada e cheia de cores: rosa, vermelho, branco, preto, muito azul e verde. Trata-se de uma longa odisseia entre cores, uma aventura entre achados e perdidos. Nós fomos achados e perdidos por nós mesmos quando mergulhamos nas águas profundas de Languana. Há borboletas dentro do pintor, há vidas, há aves.Falando de aves, o lado escuro e as penumbras são habitados por pássaros. Talvez, os ‘espíritos invisíveis’ do artista, em conversas, não falam, piam. Por se tratar da aguarela sobre papel, as obras estão em quadros e com vidros. O que não impede uma boa apreciação. Pelo contrário, as molduras ajudam na conservação das obras, num bater de palmas, minúncias e cuidado acrescido.Na curadoria da mostra, vê-se que a iluminação não é unânime. Na sala principal, onde estão expostas mais obras, a iluminação é abrangente. As luzes dessa sala iluminam as peças e a imaginação. Todos, até os que já andam com problemas de vistas, conseguiram apreciar muito bem as aguarelas. Contudo, na sala mista, onde outras vezes usa-se para outros fins, apresenta-se ora focos de maior luz ora de menor incidência da luz. A obra “Dhuna”, por exemplo, encontra-se bem iluminada, o que valeu elogios de vários visitantes. Mas as obras “Xipamanine” e “Marrabenta” estão expostas em paredes que a luz não alcança, o que resultou em abandono total das mesmas. Ficaram invisíveis.O ambiente mergulhado nas vozes das conversas paralelas das pessoas deram uma outra vida à exposição. O silêncio que, provavelmente, era para introspecção, acabou sendo invadido e interrompido pelas vozes dos visitantes. Talvez, uma música no fundo, condizente com a exposição, daria um outro ar e aprofundaria ainda mais a atenção dos espectadores.Em suma, o ambiente nocturno deu mais serenidade à exposição. A mistura de cores faz da exposição envolvente. “Jardins de sonhos” é uma caminhada entre distintos mundos: o consciente e o inconsciente, o material e o transcendente, entre o humano e animal (talvez, as figuras de animais sejam um lembrete do quão somos animais) ou entre o real e o abstrato.

Fonte:O País

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu nome aqui
Por favor digite seu comentário!

- Advertisment -spot_img

Últimas Postagens

O secretário-geral da ONU, António Guterres, falando em uma coletiva de imprensa na sede das Nações Unidas, em Nova Iorqque (foto de arquivo)

Guterres condena ataque mortal em celebração de Hanukkah na Austrália

0
O secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou fortemente o ataque terrorista durante a celebração do Hanukkah em Sydney, Austrália. Dois homens armados...
- Advertisment -spot_img