Após passar por uma onda de ataques de informação falsa e campanhas de desinformação, a Missão de Estabilização das Nações Unidas na República Democrática do Congo, Monusco, está apostando no contato ainda mais direto com a população do país.
Nesta entrevista à ONU News, em Nova Iorque, o comandante das forças de paz, o general brasileiro Ulisses de Mesquita Gomes, disse que a cooperação dos boinas-azuis com cidadãos congoleses, governos e autoridades locais tem se fortalecido desde que ele assumiu o cargo, há quatro meses.
Sexto general do Brasil
“O que a Monusco está fazendo – tanto o componente civil, militar e policial -, nós estamos muito próximo da população buscando contato, a apoiar as agências da ONU de forma que a gente tem visto hoje que a população acredita, precisa e quer nossa presença lá. A gente está ganhando todo apoio da população inclusive de governos locais e autoridades locais. A gente tem visto uma boa aproximação nossa.”

Com mais de 11 mil militares e policiais no terreno, a Monusco é a maior missão de paz da ONU no mundo. Ulisses de Mesquita Gomes é o sexto general do Brasil no posto, o primeiro foi o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que saiu há 10 anos do país africano.
Cessar-fogo é prioridade
Para o atual comandante da Monusco, a prioridade é um cessar-fogo e a proteção de civis. O leste da nação é alvo de um conflito violento entre tropas do governo congolês e grupos armados incluindo o M23, que é apoiado por Ruanda, o país vizinho.
O leste da República Democrática do Congo é rico em recursos naturais cuja exploração atravessa áreas de fronteira.
Os metais valiosos, pedras preciosas e minerais raros incluem ouro, diamante e material essencial para a fabricação de telefones celulares e outros dispositivos eletrônicos.
Poder da diplomacia
O general brasileiro disse acreditar no poder da diplomacia e do empenho do Conselho de Segurança para uma solução política que ponha fim à violência.
Para o general Ulisses de Mesquita Gomes, o foco deve ser um trabalho profissional que motive as tropas e desempenhe o mandato conferido pelo Conselho de Segurança da ONU.
Ao falar de alguns sucessos, ele destacou o treinamento de selva que uma equipe de 13 militares brasileiros está executando desde 2018 e já formou centenas de congoleses em técnicas de combate na mata.
Treinamento na selva para congoleses
“Desde que eu cheguei, em quatro meses, nós treinamos 200. Eles pediram para treinar mais 200. Nós fizemos um treinamento para 100, outro para 100. E agora, eles pediram para aumentar para mais 200. Reajustamos a nossa equipe. E isso tem ajudado muito também o reconhecimento das Forças Armadas do Congo junto à população. O que a gente está fazendo para treinar as Forças Armadas do Congo que também vão proteger a população. Então é um grande objetivo nosso. E eu tenho que destacar a participação da nossa equipe do Exército brasileiro. Na verdade, das Forças Armadas (brasileiras). A maioria é do Exército, porém temos militares da Marinha e da Força Aérea nessa equipe de treinamento.”
Ao ser perguntado sobre sua trajetória como soldado de paz até comandante da maior missão da ONU no mundo, Ulisses de Mesquita Gomes prestou tributo a seus antecessores e ao Exército brasileiro, que segundo ele é uma fonte de soft power, ou poder suave, o conceito desenvolvido pelo professor emérito de Harvard, Joseph S. Nye Jr.

O soft power investe em ganhar corações e mentes não pela imposição puramente da força, mas sim pelo poder de persuasão.
Leia a íntegra da entrevista do comandante da Monusco à ONU News:
ONU News: Como está a situação agora, General, no leste da RD Congo?
Ulisses de Mesquita Gomes: A situação, no leste, eu posso dividir ela em duas. Nós temos uma parte do setor central no Norte Kivu, que é no Petit Norte, que está sob controle do grupo armado M23. Nessa área, eles controlam toda a área, porém…
ON: E aí a Monusco não entra?
UMG: A Monusco está lá, as nossas tropas estão lá, só que a gente não está implementando o mandato que é de proteção de civil. No restante da área, que é mais de 60%, nós estamos com tropa no setor da Force Intervention Brigade, que á a Brigada de Intervenção da Força, que fica baseada em Beni. E o outro setor que também é um general, que comanda. E o outro em Ituri, na província de Ituri, que é um estado, vamos dizer assim. Nós estamos atuando. Temos grupos armados nesses dois setores. Temos na área, o grupo predominante ilegal, ADF, e no norte nós temos dois grupos atuantes. Porém com a minha presença em Beni, a gente conseguiu aumentar as nossas patrulhas tanto em Beni como em Bunia, e reduzimos o sentimento contra a Monusco dentro da população. Estamos protegendo a população. Estamos fazendo mais patrulhas, operando mais. E reduzimos também a questão de liberdade de movimento então estamos podendo implementar o nosso mandato que é a proteção de civis.
ON: General Ulisses de Mesquita Gomes, a situação talvez esteja um pouco menos tensa de quando o senhor chegou lá. Mas como a Monusco enfrenta esse risco diário. E por que esta área é tão disputada?
UMG: A Monusco está enfrentando esses desafios com muito profissionalismo. A tropa está operando, como eu disse, nessas duas áreas que é mais de 60% do território que a Monusco tem obrigação, pelo mandato, para proteger civis. Temos aí grandes desafios, porém eu creio que a gente está trabalhando muito bem nessas duas áreas esperando aí que com a negociação política seja encontrada uma solução pacífica entre os beligerantes e que a gente possa retornar ao setor central, onde está hoje a área sob controle do grupo armado M23, para que a gente possa retornar a operar. E estamos prontos para isso: para proteger civis naquela área.
ON: E quando a gente fala de negociações ou fala de intermediações políticas, claro que a gente está falando de Ruanda e de RD Congo. Ruanda, o país vizinho. E já houve tentativas. Angola estava envolvida e conseguiu alguns avanços. E agora, as últimas notícias, segundo agências de notícias, são de que os Estados Unidos conseguiram um grande avanço, ou uma promessa de acordo, entre Ruanda e RD Congo. Como está esse movimento e como isso afeta o seu trabalho?
UMG: Eu tenho acompanhado, também pelas notícias, de que os Estados Unidos estão liderando essa negociação. Eu acredito numa solução pacífica. Acredito que os Estados Unidos e todos os membros permanentes do Conselho de Segurança, (todos) os membros do Conselho de Segurança, estão trabalhando por uma solução pacífica. Eu acredito que haja espaço para essa negociação e que a gente possa retornar às operações normais dentro do setor central implementando o nosso mandato que é basicamente proteção de civis.

ON: O sr. citou por exemplo a questão da percepção da Monusco. E a gente sabe que a Monusco, como outras Missões de Paz, mas a Monusco, principalmente, sofre muito com as chamadas fake news, com as propagandas…
UMG: Eu posso garantir que a Monusco está trabalhando muito bem, portanto, todos os componentes: o civil, o militar e o policial estamos trabalhando juntos de forma a implementar o mandato da Missão que é proteção de civil. Nas áreas onde a gente tem liberdade de manobra que é mais de dois terços da área que a gente possui. É onde mais de 60% das nossas tropas está. A gente está entregando o que é pedido pelo Conselho de Segurança, implementando o nosso mandato que é a proteção de civis.
ON: Até porque essas fake news, essas campanhas e notícias falsas colocam também a vida dos boinas-azuis sob risco, não é? Não só a vida da população. Mas o senhor acha que a população lá estaria um pouco mais treinada para reconhecer o que é uma notícia falsa ou ainda não?
UMG: Não. Eu creio que devido até pela falta de acesso à internet, essa mídia social, nem toda a parte da população, a população carente tem acesso a isso. O que a Monusco está fazendo – tanto o componente civil, militar e policial -, nós estamos muito próximo da população buscando contato, a apoiar as agências da ONU de forma que a gente tem visto hoje que a população acredita, precisa e quer nossa presença lá.
A gente está ganhando todo apoio da população inclusive de governos locais e autoridades locais. A gente tem visto uma boa aproximação nossa.
ON: O senhor tem lá mais de 8 mil boinas-azuis ou quantos?
UMG: Cerca de 11 mil e pouco.
ON: 11 mil. E eles são de várias nacionalidades. Eu queria saber sobre a Equipe de Treinamento Móvel que tem 13 brasileiros e que está há algum tempo na selva. Como está este trabalho?
UMG: Muito importante essa sua pergunta. Hoje, nós temos um grande reconhecimento no mundo inteiro. Nós temos lá o Centro de Instrução de Guerra na Selva, que o Exército (brasileiro) possui há muitos anos, que é reconhecido. E estamos na Monusco desde 2018, com essa equipe, treinando tanto tropas da Monusco como tropas das Forças Armadas do Congo. E aí, eu gostaria de destacar que essa participação atual tem sido muito importante. A nossa equipe já treinou somente esse ano 200 soldados das Forças Armadas do Congo.
Desde que eu cheguei, em quatro meses, nós treinamos 200. Eles pediram para treinar mais 200. Nós fizemos um treinamento para 100, outro para 100. E agora, eles pediram para aumentar para mais 200. Reajustamos a nossa equipe. E isso tem ajudado muito também o reconhecimento das Forças Armadas do Congo junto à população. O que a gente está fazendo para treinar as Forças Armadas do Congo que também vão proteger a população. Então é um grande objetivo nosso. E eu tenho que destacar a participação da nossa equipe do Exército brasileiro. Na verdade, das Forças Armadas (brasileiras). A maioria é do Exército, porém temos militares da Marinha e da Força Aérea nessa equipe de treinamento.
ON: E é técnica de selva porque muitos elementos entram, obviamente, pela mata?
UMG: É técnica de selva. Você sabe muito bem que o Congo está ali na região do Equador, muita área de selva, um ambiente propício a emprego de operações na selva e a nossa tropa está fazendo a diferença na formação dos soldados das Forças Armadas do Congo.
ON: General Ulisses de Mesquita Gomes, o senhor é um general brasileiro. Um militar de carreira e chega a essa posição. Como o senhor decidiu se tornar boina-azul e o que significa chegar a essa posição que é o topo de um boina-azul, na ONU?
UMG: Bom, primeiramente, eu gostaria de falar da minha honra, da minha satisfação de representar o Exército brasileiro, as Forças Armadas e a bandeira do Brasil na maior missão de paz da ONU no mundo. Segundo: eu tenho uma grande responsabilidade de continuar o legado de outros generais. Eu sou o sexto general. Tivemos o General Santos Cruz, o General Elias, o General Costa Neves, o general Afonso da Costa, o general Miranda Filho. E chegou a mim aqui, agora. Para mim, é uma honra representar as Forças Armadas na maior missão de paz. É um cargo algo. A gente está representando não só o Brasil, mas toda a comunidade internacional, todas os quase 45 países representados naquela missão. É um grande desafio. Porém, o brasileiro, a gente tem esse soft power que eu aprendi no Exército com os nossos princípios e valores e a gente está dando continuidade ao que eu aprendi desde que eu entrei no Exército.
FIM
*Monica Grayley é editora-chefe da ONU News Português.
Fonte: ONU