«Rui Borges acompanhou-me sempre. Está onde está quase como uma inevitabilidade»

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Em Elvas, Júnior Franco teve um dos pontos altos da carreira: o golo que abriu caminho ao apuramento do Tirsense para as meias-finais da Taça. Um momento único num percurso marcado por duas lesões graves no joelho direito e mais de mil dias sem competir. E por uma «travessia no deserto» depois de uma promissora ascensão na formação do Vitória, o clube do coração, onde jogou 14 anos. Ponderou pôr o futebol em segundo plano quando atingiu o «chão» de carreira e mal jogava no Campeonato de Portugal: tinha só 21 anos. Porém, aprendeu, amadureceu e chegou à II Liga. Em 2021 e 2022, as duas roturas de ligamentos foram golpes que falam por si. Ditaram lágrimas, mas também lições. Aprendizagens. Um senhor exemplo para qualquer jovem que sonhe fazer carreira no futebol e preparar o seu fim.

O teenager que outrora só quis saber da bola é, aos 30 anos, futebolista, estudante de economia e está a tirar o curso de treinador. Em 2024/25, joga no Tirsense, depois de ter voltado aos relvados em fevereiro de 2024, na AD Marco 09. Para trás, entre altos e baixos, AD Oliveirense, Felgueiras, Gafanha, Famalicão, Fafe, Mafra, Penafiel, Vilafranquense (onde não jogou, tal como no AVS).

Quatro dias depois de ter garantido a manutenção no Campeonato de Portugal, o Tirsense recebe o Benfica em Barcelos, para disputar o acesso ao Jamor. Antes de um jogo histórico, o Maisfutebol entrevistou Júnior Franco no Estádio Abel Alves de Figueiredo.

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MF – Trabalhou com vários treinadores, muitos chegaram depois à Liga: Vasco Seabra, Álvaro Pacheco, Armando Evangelista… e foi treinado por Luís Castro, esta época em destaque em França, no Dunkerque…

JF – Foi na época com o Luís Castro que fui o melhor marcador nos juniores…

MF – O que retirou destes treinadores, quem mais destaca e o que mais destaca?

JF – É difícil e seria injusto destacar. O que digo é que os que me marcaram mais, são os que estão ligados a épocas bem-sucedidas. Porque criou-se uma relação próxima. Primeiro, o mister Álvaro no Fafe e depois o mister Vasco no Mafra. Mas retiro de todos. Lembro-me do Rui Vitória, com quem trabalhei no Vitória – porque estando na equipa B, o elevador sobe e desce, andamos em cima e em baixo – de achá-lo incrível no trato com os jogadores. Ele obviamente treinava, muito da parte de operacionalizar o treino era com os adjuntos, mas criava uma relação fantástica com os jogadores. O mister Luís Castro, na altura nos juniores, completamente obcecado pela ideia dele. Foi dos primeiros treinadores que apanhei que era tão apaixonado pelas suas ideias. Era ao centímetro. O mister André David, na Gafanha, foi o treinador que mais me desafiou neste pensar do jogo. O futebol que ele propunha não era para aquela divisão. Isso requeria de nós muita capacidade de entender o que ele queria e nós tínhamos uma equipa que não era homogénea nesse sentido. Havia gente que jogava o jogo por jogar e ele ficava doente, mas foi um treinador que me desafiou muito. Ainda hoje falo com ele, está na Arábia Saudita num contexto de formação. Mais para a frente, o Pedro Ribeiro. Um treinador de escola Vítor Pereira, uma paixão… ele metia paixão em tudo o que fazia. Ele corria 10km todos os dias antes do treino, dizia que era para se acalmar, para não rebentar connosco nos treinos. Depois, as lesões, vou para Vila Franca, apanho o Rui Borges, que agora está no Sporting…

MF – Mesmo sem jogar, foi um treinador importante para si?

JF – Eu joguei contra o Rui Borges. Na época do Pedras [2016/17] ele estava a acabar a época no Mirandela. Quando ele passa a treinador, tentou levar-me, quer para o Mirandela, quer para a Académica quando saio do Mafra. Acabei por escolher o Penafiel. Mas foi um treinador que me acompanhou sempre. Por esse motivo, porque já me conhecia, já sabia o tipo de jogador que eu era e creio que é por isso que acabo por ir para Vila Franca. Não jogo porque tenho a segunda lesão, mas isso não me impede de dizer que o mister está onde está quase como uma inevitabilidade. Ele e muitos. Às vezes as pessoas não chegam tão rápido a patamares mais altos. Há muitas variáveis no futebol que têm de se conjugar para esse crescimento ser alto, às vezes é a saída de um treinador dali e um bom momento em que estás…

MF – Se Ruben Amorim não sai…

JF – Provavelmente o mister Rui Borges ainda estava no Vitória. Há demasiados planetas que têm de alinhar-se. Agora, o mister Rui é, acima de tudo, um ser humano excelente. Aliás, todos estes treinadores que temos falado: Evangelista, Luís Castro, Rui Vitória, Sérgio Vieira, Álvaro Pacheco, Vasco Seabra, Pedro Ribeiro. Todos de um nível humano muito alto. Porque isto é gerir homens, pessoas, relações que se criam. Muito mais do que se é em 4x3x3 ou 4x4x2, se atacamos na largura… é muito mais de relações que se criam. Quando marquei em Elvas, vários congratularam-me. São treinadores que depois aliam essa parte humana a um conhecimento grande do jogo, a um desenvolvimento constante das suas ideias. Quem se quer manter a um nível alto, tem de ter esta capacidade de adaptação. Rui Borges não joga neste momento no Sporting como jogava no Vilafranquense, na Académica ou no Mirandela. Há coisas que são base, mas há muita coisa que se vai moldando, adaptando até aos jogadores que temos. Fico feliz por ele e falo, não tanto com ele, mas muitas vezes com elementos da equipa técnica dele, que também já o acompanham. Prova de que, para ele, as relações importam, é o acompanhar da equipa técnica dele desde o Mirandela. E, embora tenha saído do meu clube para ir para o Sporting, fiquei contente por ele e fico contente pelo sucesso dos treinadores que tive. O mister Álvaro mereceu o que lhe aconteceu, porque apareceu tarde no futebol como treinador principal. Ele já andava no futebol há muitos anos, mas muitas vezes o futebol não retribui na mesma proporção o que damos e fiquei contente por ter resolvido a vida dele e agora desfrutar do futebol de maneira mais tranquila. O mister Vasco tirou o Arouca de uma situação complicada, o mister Pedro Ribeiro está a adjunto no Championship [ndr: no Sunderland], o mister Luís Castro a lutar pela subida de divisão em França e chega às meias-finais da Taça. Se eu, escolhendo a via de treinador, puder ser só um bocadinho do que eles conseguiram, estou muito bem.

MF – Vê Rui Borges capaz de levar o Sporting ao título?

JF – Sim, claramente. Acredito que agora, com o regressar da maior parte dos jogadores, Hjulmand, Morita, Geny, Gyökeres – que é 50 por cento do jogo do Sporting – claramente que vai disputar o título, se calhar não tão confortável como se achava em novembro, mas acredito que o mister consegue levar o Sporting ao título, sabendo que temos um Benfica com ambições legítimas. As últimas jornadas vão ser decisivas.

MF – Para terminar: nasceu em Lisboa, vem muito cedo para Guimarães, já disse que é o clube do seu coração. O que significa o Vitória e Guimarães?

JF – Guimarães é casa. Eu nasci em Lisboa, mas considero-me vimaranense. A minha infância e adolescência foi lá, entrei no Vitória aos seis anos. Como não gostar do Vitória? Como não ser vitoriano? Não há outra hipótese. É uma cidade que alimenta esse amor ao clube e eu não sou diferente, não faz sentido esconder que sou vitoriano. É uma frase dita muitas vezes, mas nota-se que é um clube diferente. É fácil ser de quem ganha muitas vezes, ser do Vitória é quase que aquela aldeiazinha do Asterix, que parece que luta contra tudo e contra todos. Não será bem assim, porque os outros clubes também têm muitas lutas, mas o Vitória é especial. Pelos seus adeptos, pela história que tem, pelo que construiu ao longo dos mais de 100 anos de clube. Acho que não pode adormecer em cima desse passado, tem de olhar para o futuro, mas é um orgulho grande ser vitoriano e ir àquele estádio. Aliás, quando passámos o Rebordosa, o emparelhamento ditava-nos que se o Elvas não fizesse a campanha fantástica que fez, o nosso jogo seguinte seria em Guimarães, seguindo a lógica de o favorito ganhar. Na altura comentámos aqui e eu disse: se formos lá jogar, vou jogar no meu templo e já posso terminar a carreira descansado. Porque é de facto um clube especial e é difícil explicar em palavras. As outras pessoas podem não entender e a música diz “ninguém vai entender”, mas acho que não fica indiferente a ninguém, o Vitória, os seus adeptos e a paixão deles.

Fonte: CNN Portugal

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