A milenar vila de São João de Ver, no concelho de Santa Maria da Feira, «fervilha» com mais um marco histórico, este protagonizado pela equipa da terra, que joga na Liga 3 e está a poucos dias de disputar, pela primeira vez nos seus 95 anos de existência, os quartos de final da Taça de Portugal. O Rio Ave que se cuide, porque ali a crença é grande. «Já pensei em como vou festejar», atira, convicto, Vítor Duarte, sócio e um apaixonado adepto dos «malapeiros».
Se é de história que falamos aqui, comecemos pela origem do termo que identifica os nativos daquela freguesia. Vítor Duarte conta que, já nos tempos idos do reinado de D. João I, «a maçã malapeira, que é bastante resistente, era muito usada para alimentar as tripulações das caravelas nas passagens do Atlântico, no tempo das Descobertas».
Muitas gerações depois, «quando o comboio passou pela primeira vez em São João de Ver, o conhecido Vouguinha, a população, ao ver aquele «monstro» atravessar a freguesia, pegou naquilo que estava mais à mão, as maçãs de uma macieira de malápio que ali havia, e atiraram-nas ao comboio», sendo esta a lenda que ainda hoje é contada para contextualizar o singular apelido.
O que é que isto tem a ver com futebol? Pouco, talvez nada até, mas é demonstrativo de que aquela é uma vila com raízes fortes, interessada e muito ligada às suas tradições. O futebol, claro está, é uma parte importante desse imaginário coletivo e, por estes dias, há um tema que centra atenções.
«Quase todas as conversas que tenho com outros adeptos são sobre a Taça. Uma diretora da formação partilhou comigo o entusiasmo que existe até na formação», nota Vítor Duarte, de cachecol do clube cuidadosamente colocado no pescoço, ele que herdou a paixão pelo São João de Ver do pai, que tal como o seu irmão jogaram futebol de leão ao peito.
Leu bem, aqui o leão veste de encarnado, mais uma excentricidade de uma coletividade que, nos últimos anos, cresceu de forma considerável à boleia da aposta em modalidades como o futsal, a natação, a patinagem artística e o basquetebol. Hoje, movimenta «entre 500 a 600 atletas», salienta o coordenador, João Martins.
Os feitos da equipa de futebol têm eco em todo o universo do clube, e ninguém quer faltar à chamada para Vila do Conde. «É um jogo que está a mexer com toda a gente. Todos querem estar presentes», confessa o diretor, que garante «falta justificada» a quem falhar o treino, na próxima quinta-feira, para ir apoiar a equipa ao Estádio dos Arcos.
«Todos perguntam se vai haver treino, ou não. Não queremos que isso seja um impeditivo para que os atletas possam apoiar o clube em Vila do Conde. O mais certo é ficarem dispensados do treino, se for com esse propósito», atira.
O São João de Ver vai oferecer os bilhetes para o encontro, disponíveis na secretaria do clube, e já fretou dois autocarros para transportar os adeptos, estando ainda em hipótese a possibilidade de acrescentar um veículo à frota.
Quanto ao jogo em si, «não será fácil, mas há sempre aquela réstia de esperança», sendo que «nada é impossível», vinca João Martins. «Vamos dar o nosso melhor para virmos embora felizes», antevê, com Vítor Duarte a complementar: «O sonho comanda a vida. A bola é redonda e são onze contra onze. Ainda há pouco tempo falei com o Fábio Ronaldo, que jogou no Rio Ave e de quem sou amigo, e disse-lhe que íamos lá para os «comer». É um momento épico, um jogo que nos faz «fervilhar» e nos motiva muito».
E quem será o herói «malapeiro» em Vila do Conde? «Vai ser o São João de Ver, como um todo», diz, sem se querer comprometer muito, Vítor Duarte, enquanto João Martins lá aponta «o João (Victor), que tem tido bastantes golos», como forte candidato, ainda que sublinhe: «Eles já são uns heróis por terem chegado até aqui».
No fim de tudo, uma coisa é certa. «Vou ao Jamor! Independentemente de o São João de Ver lá chegar ou não», assegura Vítor Duarte. E se o São João de Ver lá chegar mesmo? «Se isso acontecer, será uma invasão da pequena freguesia de São João de Ver a Lisboa», remata João Martins. Uma invasão de «malapeiros», portanto.
Fonte: Mais Futebol