– Relatório do BAD sublinha urgência em reformar a mobilização fiscal, valorizar o capital natural e dinamizar o sector privado para superar défices estruturais
Questões-Chave
O segundo capítulo do Country Focus Report 2025 do Banco Africano de Desenvolvimento lança um olhar estruturado sobre o potencial do capital doméstico em Moçambique — fiscal, natural, empresarial, humano e financeiro — e sobre os obstáculos que impedem a sua mobilização e uso eficiente para impulsionar a transformação económica e o desenvolvimento sustentável.
Apesar de ser um país com vastos recursos naturais, uma população jovem e uma localização geoestratégica privilegiada, Moçambique enfrenta dificuldades persistentes para transformar este potencial em progresso económico e social. O relatório estima que o país necessita de 11 mil milhões de dólares por ano para financiar os seus compromissos de desenvolvimento, dos quais mais de metade destinam-se a infra-estruturas. No entanto, os recursos internos disponíveis estão aquém desta ambição.
Em termos fiscais, a taxa de receita pública (tributária e não tributária) tem sido moderada, oscilando entre 20,9% e 29,9% do PIB entre 2014 e 2024. O relatório destaca que as isenções fiscais e regimes especiais representam perdas de até 3,5% do PIB, enquanto a TSU absorve mais de 70% da despesa corrente, comprimindo o espaço orçamental para investimento produtivo. A recomendação é clara: simplificar o sistema fiscal, digitalizar os processos, e incentivar a formalização das PME.
O capital natural é outro activo subutilizado. Avaliado em 209 mil milhões USD em 2020, com destaque para gás natural, carvão e terras agrícolas, esse património ainda não se traduz em ganhos fiscais ou infra-estruturais substanciais. A criação do Fundo Soberano em 2024 representa um passo importante, mas o relatório alerta para riscos de má governação e evasão fiscal no sector extractivo, recomendando a aplicação rigorosa dos padrões da Iniciativa de Transparência nas Indústrias Extractivas (EITI).
Já o capital empresarial encontra-se profundamente dominado pela informalidade. Cerca de 95,7% da força de trabalho está em actividades informais, o que limita a produtividade, a capacidade de inovação e o acesso a financiamento. A maioria dos empreendimentos são unipessoais, com apenas 0,02% a atingir o estatuto de médias empresas. Os principais entraves incluem burocracia, custos de licenciamento, escassez de mão-de-obra qualificada e fraca protecção de contratos.
No campo do capital humano, apesar do aumento do orçamento para educação (de 19% em 2021 para 26% em 2023), persistem desafios como altas taxas de abandono escolar (45%) e baixa escolaridade média (3,5 anos). O relatório defende uma aposta estratégica no ensino técnico-profissional, formação digital e estímulo ao engajamento da diáspora. Na saúde, os progressos em indicadores como a mortalidade materna e infantil são notáveis, mas continuam fortemente dependentes da ajuda externa.
Quanto ao capital financeiro, o sistema continua subdesenvolvido. As taxas de juro são elevadas (hipotecas a 28%), o acesso a crédito limitado, e a inclusão financeira ainda é baixa. A Bolsa de Valores de Moçambique (BVM) registou progressos, com 26 mil investidores em 2024, mas continua com baixa liquidez e profundidade. O relatório aponta para oportunidades em instrumentos inovadores, como financiamentos verdes, fintech e fundos de pensões direccionados para sectores produtivos.
Como resposta, o BAD recomenda um conjunto integrado de políticas: desde reformas fiscais progressivas e disciplina orçamental, até melhoria da governação dos recursos naturais, expansão do ensino técnico e profissional, e desenvolvimento de instrumentos de financiamento inclusivo e sustentável, com destaque para as FinTech e os fundos climáticos.
Fonte: O Económico