Apesar de representar a maioria da população moçambicana, a juventude continua a ser presença rara nos centros de decisão política. Nas ruas, cresce a perceção de que os jovens estão cada vez mais distantes da política, mas será mesmo desinteresse ou resultado de um sistema que os exclui? Em uma era em que os desafios sociais, económicos e institucionais se agravam, esta reportagem mergulha na voz de um filósofo, analista político e cidadão anónimo para compreender até que ponto a juventude está ausente por escolha ou por falta de oportunidades reais de participação.
E o que está em causa não é apenas a participação juvenil, mas o próprio futuro da democracia moçambicana.
A visão filosófica e política: juventude entre o prazer e a responsabilidade
Para o filósofo e analista político Osvaldo das Neves, compreender a juventude é também compreender os dois mundos que a definem: por um lado, o impulso fisiológico, o florescimento dos instintos, do desejo de liberdade e do prazer; por outro, a dimensão gnosiológica, a tomada de consciência crítica e ética sobre o uso desses prazeres e as responsabilidades
que eles impõem. Entre essas duas realidades, afirma o pensador, está a política: o instrumento através do qual os mais velhos, guiados pela experiência, devem orientar a juventude rumo à virtude. Contudo, em Moçambique, o que se vê é o oposto.
“A juventude moçambicana encontra-se num sistema de ensino falido, num quotidiano urbano inseguro, e exposta a vícios promovidos por indústrias de lucro fácil. Esse ambiente é um reflexo do tipo de política e dos políticos que temos”, afirma.
Inspirando-se no pensamento de Platão, Osvaldo das Neves afirma que, originalmente, a política não era espaço para os jovens, mas para os sábios. A juventude seria o momento de formação moral e cívica, e não de liderança. No entanto, reconhece que o cenário moçambicano impõe exceções: “A mediocridade dos mais velhos obriga os jovens a intervir. É como filhos que são forçados a resolver os erros dos pais.”
E é justamente nessa crise de liderança que surge o risco da instrumentalização juvenil. Para ele, os jovens moçambicanos são usados por partidos, igrejas, redes sociais, ONGs e até pelos professores. “Se o Estado não tem o controlo, alguém vai ter. E esse alguém manipula a juventude segundo seus próprios interesses.” disse.
Como solução, defende uma reforma profunda e rigorosa do sistema de ensino. A escola deve ser tratada como instituição sagrada, onde a passagem de classe seja baseada no mérito e no conhecimento, não em mecanismos automáticos. “Sem um ensino rigoroso, continuaremos a formar médicos medíocres, juízes medíocres, deputados medíocres e todos minguantes de pão, ávidos de regalias e alheios ao dever público.”
Participação jovem: entre o uso e a exclusão
O analista político Alexandre Chiúre reforça uma leitura partilhada por muitos: os jovens têm sido amplamente utilizados pelos partidos durante os períodos eleitorais. “Nos momentos de campanha, os jovens são chamados em massa. Mas essa mobilização raramente se traduz em participação efetiva nos processos de tomada de decisão.”
Chiúre reconhece que existem jovens em funções de destaque, mas ainda em número insuficiente. “No governo de Daniel Chapo, por exemplo, há poucos jovens em cargos de decisão. É preciso enquadrar mais juventude nos processos reais do país.”
As recentes manifestações eleitorais
marcadas pelo lema “Este país é nosso”, são vistas por Chiúre como um grito contra a exclusão. “Os jovens sentem que o país não lhes pertence, que há oportunidades só para filhos de dirigentes e membros da OJM, enquanto a maioria é ignorada.”
Para ele, a mensagem é clara: “A juventude deve defender os seus próprios interesses.” Uma ideia que ecoa a posição de Osvaldo das Neves: se os mais velhos falham, os jovens têm o dever de intervir.
A voz da rua: juventude engajada, mas sem espaço
Leonardo António, um cidadão pacato, na sua simplicidade e franqueza oferece uma leitura crítica sobre a realidade da juventude moçambicana. Para ele, a inclusão real dos jovens ainda está longe de acontecer.
“Ainda não há inclusão dos jovens na política. É necessário que haja mais engajamento e entrega por parte da juventude”, afirma.
Leonardo acredita que os políticos moçambicanos não representam os verdadeiros interesses dos jovens. “Vão à Assembleia da República discutir problemas pessoais. Não discutem soluções para melhorar o país.” E questiona: “Se é que existe oposição, ela precisa de se unir. Do jeito que está, não inspira confiança.”
Segundo ele, muitos jovens permanecem no anonimato, mesmo sendo inteligentes e engajados. “São apenas usados como massa de apoio nas campanhas eleitorais e, depois, descartados.” A falta de oportunidades, afirma, leva ao desespero, “o que empurra muitos para as drogas e outras formas de fuga”. Para mudar isso, Leonardo é direto: “Os políticos devem criar políticas reais de emprego para os jovens.”
A partir das vozes ouvidas nesta reportagem, fica claro que o distanciamento entre juventude e política é construído por uma mistura de exclusão sistémica, manipulação eleitoral e falências estruturais. Mas também é evidente que os jovens moçambicanos não são apáticos: estão atentos, críticos e, quando podem, agem.
Para que o país se regenere, como propõe Osvaldo das Neves, é preciso reconstruir os alicerces da educação e da ética cívica. Para que a democracia se fortaleça, como alerta Alexandre Chiúre, é urgente abrir espaços de decisão para os jovens. E, como lembra Leonardo, enquanto esses espaços forem ocupados por privilégios, a juventude continuará a gritar das ruas: “Este país é nosso”.